The Buried Giant

The Buried Giant Kazuo Ishiguro




Resenhas - The Buried Giant


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Newton Nitro 29/04/2015

O Insustentável Peso das Memórias em The Buried Giant (O Gigante Enterrado) de Kazuo Ishiguro
Me fascina muito a mistura entre literatura de gênero com a chamda alta literatura, mesmo depois que muito pouca gente séria ainda se interessa por estabelecer essas distinções para além das categorias da Amazon.com. Qualquer categorização implica uma generalização enorme, e em literatura, principalmente contemporânea, com todas suas nuances, misturas, remixagens, colagens, desconstruções; categorizar e generalizar é mais que um crime, é pura burrice mesmo.

Tantos autores de gênero provaram ter altíssima qualidade literária com o tempo (Kurt Vonnegut, J.G. Ballard, Ursula K. Leguin, Philip K. Dick, entre muitos outros) que a distinção, pelo menos para mim, não existe mais. Sigo a lei do Cazuza, que dizia que "Não existe música certa ou música errada, pra mim música tem que ser boa", ou, "não existe literatura certa ou literatura errada, para mim literatura tem que ser boa". E da mesma forma, adoro quando autores considerados parte da "alta literatura" ou da "literatura séria" (como se a turma da literatura especulativa estivesse brincando, hahahahaha, péssimo esse termo "literatura séria") everedam pela literatura especulativa. E tenho que conferir, mesmo porque também sou um ávido leitor da suposta "alta literatura" (argh, alguém tem que arrumar um termo melhor, cruz credo!).

Kazuo Ishiguro, escritor britânico de descendência japonesa famosíssimo, é o autor do Vestígios do Dia (1989), considerado um clássico contemporâneo e leitura obrigatória no ensino médio na Grã Bretanha, além de ter ganhado o Prêmio Booker (http://en.wikipedia.org/wiki/Man_Book... ), o mais importante prêmios literários da Grã Bretanha.

E o camarada ralou dez anos em um livro de 336 páginas, e surpreendeu todo mundo com uma história de fantasia! E bem clássica, usando como fonte os mitos arturianos! Para ser mais clássico do que beber nas histórias do Rei Artur só se ele apelasse para os gregos mesmo!

A história tem uma estrutura simples, lembrando a um conto de fada. Em resumo, na Inglaterra pós-arturiana, algo entre o século quinto e sexto, temos um casal de idosos super-fofos, Beatrice e Axl, que saem de sua pequena vila para encontrar o seu filho, incomodados pela perda progressiva de suas memórias, perda que parece ser causada por uma névoa misteriosa que envolve a vila onde moram.

Trama básica de qualquer RPGzão da vida, se os jogadores tivessem coragem de criar personagens idosos e se preocupassem mais e m interpretar e explorar a experiência da velhice ao invés de matar monstro, catá oro e subir xispê!

Axl e Beatrice saem atrás de seu filho em um período aparentemente pacífico; os romanos haviam abandonado a Inglaterra, os reinos estavam pacificados e começavam a se unificar, e a rivalidade entre saxões e bretões havia amansado ao ponto de existirem vilas e comunidades compostas dos dois povos. Porém a misteriosa névoa, que cobre memórias pessoais e as memórias coletivas, as memórias da sociedade, permeia todos os lugares por onde passam.

A partir dessa premissa, personagens dos mitos arturianos, mitos gregos, ogros, dragões e bruxas se misturam na jornada dos dois idosos em busca de suas lembranças perdidas. Isso dá a narrativa aquele climão de fábula, o começo, por sinal, me lembrou um pouco (um pouquinho só) o começo gostoso café-com-leite do Hobbit. Mas vai um aviso, O Gigante Enterrado é um livro poético, tocante mas triste, de rachar o coração, eu juro que tinha um monte de ninja cortando cebola perto de mim, principalmente no final.

A complicada relação humana com a memória pessoal e com a memória coletiva é o tema principal do livro. Li que Ishiguro teve a idéia desse livro durante os anos noventa, com os conflitos na Yuguslávia e em Rwanda, conflitos causados por ódios e desejos de vingança entre diversas etnias, ódio vindo de passados mal digeridos.

O romance é muito bem escrito, com narrado discurso indireto de terceira pessoa próxima, com ocasionais momentos de um narrador onisciente mas com voz, falando diretamente com o leitor. Outros capítulos são narrados em primeira pessoa, mas cada um com pontos de vista bem diferenciados.

A prosa é poética sem ser rebuscada, um estilo preciso. Os diálogos são muito humanos, os diálogos entre os dois velhinhos são preciosos, derramam humanidade e ternura, fiquei tocado mesmo. Os demais personagens são bem caracterizados, mas o Kazuo mantém um ar de mistério e até mesmo onírico em toda a narrativa. É como se ele deixasse a névoa do esquecimento da trama penetrar na própria escrita das frases, na sintaxe, no ritmo das palavras. Personagens se repetem, param em meio a uma frase, ficam confusos, seguem ilusões, e constantemente mantém o leitor questionando o que realmente está acontecendo em uma determinada cena.

Mas o que me pegou mesmo foi o tema da memória coletiva e como Kazuo o abordou com a complexidade que esse tema merece. Ao ler, eu liguei o livro imediatamente aos conflitos no Oriente Médio, ao caos absoluto que o Iraque e a Síria estão sendo jogados no momento. Lembrei muito do documentário A Imagem que Falta - The Missing Picture, 2013, dirigido por Rithy Panh ( http://www.imdb.com/title/tt2852470/ ), sobre um artista e escultor que usa da criação de pequenos bonequinhos de barro para lidar com as memórias traumáticas das atrocidades genocidas do Khmer Vermelho no Camboja, entre 1975 a 1979.

O que é melhor, esquecer o passado e viver o presente, correndo o risco de perder a própria identidade, e de perder o que de bom aconteceu no passado ou recordar o passado completamente, com suas tragédias, horrores e ter a alma tomada por um desejo de vingança, de retalização, que não fará mais do que perpetuar o ciclo eterno de violência e horror? Essa é a pergunta que o livro aborda, com toda a nuance e sem dar nenhuma resolução final; o que eu admiro muito em uma obra literária. Um autor, como Kazuo Ishiguro, deve é levantar perguntas, incomodar, inquietar, fazer o leitor se mexer. E o Gigante Enterrado faz exatamente isso.
Naty 13/04/2021minha estante
Fantástica resenha, obrigada!




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