Jose.Maltaca 20/01/2021
Naturalismo Curitibano
O Vampiro de Curitiba é uma obra indigesta. Narrando a história de Nelsinho, Dalton Trevisan pontua os seus contos com doses de ironia tão gritantes que chegam a ser grosseiras. Publicado originalmente em 1965, pode-se considerar que Trevisan é um naturalista fora de seu tempo: os cenários da Cidade Sorriso parecem se converter em pocilgas imundas repletas de entulhos e de depravação. O mais desconcertante, contudo, é a maneira absolutamente realista com que trata os devaneios de seu protagonista, perscrutando seus mais íntimos pensamentos e pesadelos com o fim de expor que as maiores vítimas de seu comportamento, são, invariavelmente, as mulheres.
Aqui pode residir um grande imbróglio, uma cisão entre leitores na qual não há certos ou errados. Por um lado, o livro pode parecer extremamente machista, com alusões a estupros, redução das faculdades femininas a arquétipos padronizados e unidimensionais, menosprezo e ódio velado por tudo o que se liga às mulheres. Por outro, estas mesmas características aparecem ligadas à psique de Nelsinho, propositalmente denominado no diminutivo para representar a sua pequenez em relação ao trato com as outras pessoas. É gráfico, é perturbador, mas é um personagem absolutamente execrável que representa a maneira como os homens costumam lidar com as mulheres – O conto intitulado “O Vampiro de Curitiba” é prova disso. Outro conto que pode demonstrar essa ironia grotesca empregada por Trevisan é “Debaixo da Ponte Preta”, em que narra o estupro de uma jovem e de como ela é desacreditada nos autos policiais pelos relatos dos estupradores: a culpabilização da mulher vítima de estupro sempre foi um mal que permeia uma sociedade machista e misógina.
Esta combinação não é de fácil assimilação. Trevisan consegue fazer da leitura fácil de seus contos um trabalho hercúleo de controle de ânsia. É rápido, é vulgar, é dificilmente palatável sem contexto. A sensação é dúbia: o retrato de uma cidade palpavelmente asquerosa ao mesmo tempo em que a descrição é parca; a brutalidade dos encontros de Nelsinho ao mesmo tempo em que a narrativa desnorteia o leitor e tira o foco dos eventos; a antipatia a Nelsinho ao mesmo tempo em que é possível entender o porquê ele é como é e porque faz o que faz. Logo, fica o relato: é um livro único, cuja sensação ao fim da leitura é boa, mas penosa. Recomendo a leitura, mas já adianto que O Vampiro suga a felicidade de quem o lê, e deixa para o leitor um fel que repele e atrai simultaneamente.