Marcelo Minal 06/04/2024
Retrato da Prisão - Espelho da Sociedade
Profundamente auto-biográfico, "Recordações da Casa dos Mortos" retrata a percepção de um ex-nobre, Petrovich, ao se ver enclausurado, por 4 longos anos, numa prisão na Sibéria.
Através dos olhos do protagonista/narrador, que no fundo é o próprio Dostoiévski em sua experiência pretérita, nos deparamos com espessas sombras da sociedade: Corrupção para importar produtos ilícitos e subornar guardas, vícios como bebedeiras, prostituição, despotismo dos superiores, castigos brutais e desproporcionais, brigas e preconceito.
Por outro lado, no meio desta profunda escuridão, somos surpreendidos por um corajoso facho de luz: companheirismo, amor pelos animais e esperança, mesmo que inconfessável, de reviver a liberdade. Um vigor, um desejo de viver, não obstante a presença corriqueira da morte. É como uma flor que, teimosa, brota no meio do lamaçal dos pântanos.
A luz precisa de escuridão para existir, e vice-versa. No olho desta dicotomia percebemos que a prisão é uma porção da sociedade e praticamente tudo que ocorre lá dentro, ocorre também aqui fora. É um espelho.
Ao final, percebe-se que é possível ser otimista para com a vida. Petrovich, que passa quase a integridade do tempo de sua pena sendo hostilizado pelos outros detentos, pelo fato de ser ‘nobre’, nos seus últimos meses, finalmente, galga o respeito e até o companheirismo destes presos. "Ele é como a gente." Em sua despedida do presídio alguns chegaram até mesmo a chorar.
Enfim, embora existam passagens pesadas em “Recordações da Casa dos Mortos”, Dostoiévski faz a leitura ser agradável através de seu modo fluído e cativante de escrever. As ideias são bem conectadas de forma clara e concisa. Nesta edição há ainda uma cópia de uma carta verdadeira que o autor enviou ao seu irmão. É incrível como que alguns personagens do Romance são surpreendentemente semelhantes à descrição da carta.
Um bom livro.