João Pedro 20/08/2023
A morte em sua essência pura: a fase pessimista de Gullar
Nesse livro há um contraste enorme com os livros anteriores, talvez pelo momento de escrita do autor (os livros anteriores foram em fases de conflito: Luta corporal no início da guerra fria, Dentro da noite Veloz e Poema Sujo no contexto da ditadura), por ser escrito em 1999 e pelo evento mais marcante ser a morte do seu filho, o autor deixa o livro com grande pessimismo, deixando de lado grande parte das suas críticas (algo que eu gosto muito no autor). Por isso escreve um livro cheio de negativas falando das tristes memórias passadas e de um futuro incerto e pessimista: poemas sobre o silêncio, sobre o filho (3), sobre o tempo que passou e não volta mais, sobre o que deveria ter sido aproveitado quando era vivo, sobre a morte (vários), sobre o fim, sobre como o tempo é curto, o vivo e o não vivo, a coisa, a não coisa, a fragilidade da vida, sobre as vozes dos mortos que não somem da nossa mente, quando o passado se mistura com o presente e você entra em um delírio que não distingue o que é real e o ireal, sobre o infinito silêncio dentro da fria e escura cova e nas vidas dos que ficaram. Dá para ver que é como se o autor tentasse fugir das memórias tristes, por isso interrompe os textos falando de flores, sobre outros assuntos quaisquer, mas sempre retorna ao pessimismo ensurdecedor, então sempre alterna em poemas tristes e melancólicos, com poemas sobre moças e flores, sobre o passado em São Luiz. Tem muitos poemas confusos, feitos com sequências de frases nominais. Em suma, o livro é bem melancólico, continuo gostando muito da escrita do Ferreira Gullar, apesar de nesse faltar a ponta de crítica que me cativa tanto nos textos do autor. Deixarei no final um poema que não é desse livro, mas combina perfeitamente com ele:
Os Mortos - Ferreira Gullar:
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça