jota 31/05/2021MUITO BOM: Daniel Galera antes do ótimo Barba Ensopada de Sangue, já exibindo seu talento nessa narrativa sobre adolescência, vida adulta e os fantasmas do passado...Lido entre 14 e 31/05/2021
Mãos de Cavalo traz uma porção de histórias dentro de uma história maior, a de Hermano, o personagem central do romance. De início, parece que estamos lendo uma série de contos sobre o mesmo personagem, seus amigos e/ou conhecidos, mas depois essa impressão se afasta. E lá pela metade do livro, com muito mais informações e pistas sobre alguns fatos, passamos a acompanhar com atenção redobrada o processo pelo qual um garoto se torna o homem que agora tem trinta anos e é um profissional de sucesso.
Mas Hermano não é feliz, por alguma coisa que ocorreu cerca de quinze anos passados, que o incomoda demasiadamente desde então. Uma tragédia sem sentido, que mexeu profundamente com sua personalidade, que o fez ser do jeito que é, um tanto calado, um tanto fechado, misterioso a ponto de deixar sua mulher preocupada e seu melhor amigo enfurecido. Hermano também é capaz de ser violento... Suas mãos grandes lhe valeram o apelido Mãos de Cavalo. Ele as emprega na sua profissão, de cirurgião plástico.
No ótimo O Mensageiro, o inglês L. P. Hartley inicia sua narrativa escrevendo que “O passado é um país estrangeiro; lá as coisas são feitas de maneira diferente.” Frase que também vale para essa sutil história contada pelo talentoso Daniel Galera, que está um pouco abaixo do patamar que ele atingiu em Barba Ensopada de Sangue, escrito uns seis anos depois, mas que já confirmava seu apurado talento literário. Se pudesse, Hermano teria feito as coisas diferentes no passado ou, pelo menos, num dia do passado. Como isso não é possível ele vai interferir no presente...
Outro autor inglês, David Mitchell, autor de Menino de Lugar Nenhum, um livro favorito em 2013, comentou que The Shape of Bones, como Mãos de Cavalo saiu na Inglaterra, “(...) é uma obra de arte sobre a fragilidade das coisas, a presença constante do passado e as correntes ocultas que nos empurram para um lado e para o outro. Um livro de beleza visceral e terna cujos ecos persistem muito depois da última página.” Outros resenhistas estrangeiros também destacaram as várias qualidades do livro, que tanto contém trechos nostálgicos, evocativos, até mesmo comoventes, quanto cenas de muita violência, angústia e arrependimento. Enfim, vale muito a pena ler Mãos de Cavalo, vale a pena ler Daniel Galera, sem dúvida.