A queda do céu

A queda do céu Davi Kopenawa




Resenhas - A Queda do Céu


39 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3


Ana Sá 06/05/2022

"Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos"
"Para nós, a política é outra coisa. São as palavras de Omama [demiurgo Omama, primeiro xamã] e dos xapiri [termo yanomami para designar tanto os xamãs, os homens-espírito –xapiri thëpë–, quanto os espíritos auxiliares –xapiri pë] que ele nos deixou. São as palavras que escutamos no tempo dos sonhos e que preferimos, pois são nossas mesmo. Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham consigo mesmos".

Os novos-velhos casos de genocídio em território Yanomami fizeram gritar as memórias que tenho deste livro, que, desde que li, se mantém firme no meu Top 3 de obras que me mudaram muito e para sempre. Realizei a leitura há bastante tempo, mas só agora venho arriscar uma resenha, a fim de, pura e simplesmente, fazer propaganda gratuita desta obra (sobretudo porque a tal lista da Folha mexeu com a curiosidade das pessoas). É uma leitura densa, que exige muito de nós, principalmente na sua primeira metade, mas que nos deixa absolutamente estupefatas.

Trata-se de um texto escrito a quatro mãos: seu autor-narrador é o líder indígena Yanomami Davi Kopenawa, já seu escritor é Bruce Albert, etnólogo francês, nascido no Marrocos, responsável por traduzir, da língua indígena para o francês, um pouco mais de uma década de conversas e entrevistas (ou de "sequências de monólogos") realizadas com Kopenawa. A publicação original, na França, ocorreu em 2010, e somente cinco anos depois, em 2015, a obra veio a ser bravamente traduzida para o português por Beatriz Perrone-Moisés, tendo como cereja do bolo o brilhante prefácio assinado por Eduardo Viveiros de Castro.

"A queda do céu" tem origem no desejo de Davi Kopenawa de "explicar essas coisas para os brancos". E não é difícil entendermos sua razão: num país historicamente marcado por um falar "sobre os indígenas", que por séculos foram objeto da narração dos não indígenas, a obra nos convida a um contato com os indígenas enquanto sujeitos de suas próprias histórias. E eu, mulher não indígena, jamais vou me esquecer da sensação de me perceber sendo narrada ali naquelas páginas. É quase impossível acompanhar Davi Kopenawa descrevendo "o povo da mercadoria” sem nos sentirmos patéticas. É revoltante ver o quanto os livros de História e a mídia não chegam nem perto de narrar à altura o desastre humano e ambiental decorrente da atividade mineradora. Ao nos descolonizar, este livro escancara o tamanho da nossa ignorância, além de nos colocar diante de vários dilemas éticos. Não me lembro onde vi/ouvi essa frase, mas uma das conclusões que tirei de "A queda do céu” foi justamente esta: como a colonização de pensamento nos emburreceu!

Ainda que a questão do genocídio indígena seja transversal, há no livro um belíssimo convite ao cotidiano e às tradições Yanomami em geral. Um contato ímpar com sua cosmovisão. A descrição dos rituais xamânicos, por exemplo, é de arrepiar! Pode ser cansativo para algumas leitoras, pois Kopenawa caminha sempre devagar, investindo nas minúcias, nos entregando os detalhes… É também demorada a familiarização com expressões e termos da(s) língua(s) Yanomami. Mas a quem tiver paciência, o fechamento de alguns capítulos pode ser equivalente a um voltar para casa. Falo da minha experiência: no encerramento de algumas passagens, eu tive a sensação de estar voltando, cansada mas ainda anestesiada, ao meu sofá, tamanha era a sensação de ter viajado para dentro da floresta. A escrita de Kopenawa é generosa no modo como pinta as paisagens e as sensações de tudo que acontece ali, mas sem propor uma romantização ou um endeusamento dos povos indígenas. Este é outro ponto alto: Kopenawa não foge a temas polêmicos ou delicados quando eles aparecem.

A segunda metade do livro torna-se mais dinâmica, sobretudo quando foca na consolidação do ativismo político de Kopenawa, a partir de 1980 mais ou menos. O teor dos relatos muda, pois os cenários e as pessoas são completamente diferentes, mas também ali há passagens muito marcantes. As situações envolvendo os compromissos de Kopenawa na América do Norte ou na Europa são interessantíssimas e continuam a propor olhares descoloniais na nossa forma de nos relacionar com as outras culturas. Um acontecimento, em específico, acho que na ocasião de uma visita que Kopenawa faz a um museu parisiense (não tenho o livro em mãos para confirmar qual era exatamente o museu), deveria ser leitura obrigatória nas escolas, inclusive. Sério, vocês vão se lembrar de mim quando chegarem a este capítulo, ele é f*%D demais!

Eu realmente concordo com Eduardo Viveiros de Castro quando ele diz que “A queda do céu” é um “acontecimento”, e não meramente um texto. Na média, a leitura não é fluida, mas no todo, ela é arrebatadora. Temos aqui um livro de História do Brasil que nos liberta, em alguma medida, das amarras da história única que o eurocentrismo nos impôs. O período que marca os relatos que dão forma à obra, que vão da iniciação xamânica de Kopenawa até o amadurecimento de seu papel de líder indígena (se não me falha a memória, isso abrange, mais ou menos, o período de 1960/70 ao início dos anos 2000), nos dá uma outra visão de Brasil ao mesmo tempo que nos recorda que o pior da História se repete. As notícias atuais sobre o povo Yanomami poderiam ter sido retiradas dos “monólogos" de décadas atrás que Kopenawa já havia registrado em seu livro justamente com o objetivo de “explicar essas coisas para os brancos”. E ele explicou. Fomos nós que não entendemos nada. Será que ainda há tempo para aprendermos a sonhar um pouco mais longe?
Joao 06/05/2022minha estante
Ana fiquei com bastante vontade de ler esse livro. Resenha maravilhosa a sua.


Joao 06/05/2022minha estante
E essa questão da mineração é um horror mesmo. Incrivelmente a mídia não mostra tanto e quando mostra, acho que não pode ser chamado nem de ponta do iceberg.


Debora 06/05/2022minha estante
Excelente resenha! Eu já tinha interesse no livro, agora o acho primordial. Parabéns!


Paloma 06/05/2022minha estante
Quero muito esse livro! Vi no canal da Laura do Literapia e coloquei na lista na msm hora. Excelente resenha!


dani 06/05/2022minha estante
Que resenha, Ana! Vou procurar esse livro.


Georgiana Maia 07/05/2022minha estante
A resenha me tocou num nível que já tô colocando o livro nos DESEJADOS. Obrigada pela partilha, Ana!


Ana Sá 09/05/2022minha estante
Se vocês lerem, venham me contar, por favor!? Não é um livro muito fácil, mas em mim ele deixou marcas bem profundas... Fico feliz que a resenha sirva de incentivo! ?


Lilian.Araujo 16/06/2022minha estante
Ana, que resenha magnífica! Estou quase terminando o livro e, de fato, ele não tem uma leitura fluida, mas ela tem mudado minha visão de uma forma arrebatadora! Também fiquei pasma com o capítulo que ele descreve a visita ao museu!!! Os últimos acontecimentos têm me feito mergulhar ainda mais nos capítulos finais. Dá vontade de chorar, de verdade ??


Ana Sá 18/06/2022minha estante
Lilian, o final me deu um nó na garganta também! Legal saber que sua experiência foi parecida, me fez reviver minha leitura!! Este livro mexe demais, né?!


Lilian.Araujo 19/06/2022minha estante
Muito, mexe muito mesmo!


Thiago Guarani 20/06/2022minha estante
Oiê, eu sou o Thiago Henrique Karai Djekupe, sou Indígena Guarani da Terra Indígena Jaraguá-SP, eu estou estudando Arquitetura e Urbanismo, e preciso fazer um fichamento deste livro, estou com dificuldade, pois o livro é muito intenso, então se vocês toparem uma conversa vou deixar meu Instagram e torcer para entrarem em contato,
Instagram: @thiago_guarani


Grigo 21/09/2022minha estante
Nas notas existem várias referências M, a primeira delas aparece quando ele cita os 35 mitos... O que significam essas referências???




Pedro Henrique Müller 18/02/2019

Experiência da Forma Xamânica
A Queda do Céu é um livro importantíssimo, fundamental. Um deslocamento, um tremor necessário, principalmente nesse período tão obscuro que atravessamos. É imprescindível conhecermos explicações do mundo a partir de outras cosmologias. É preciso que nos vejamos como caracteres de uma antropologia diversa, ou reversa, no caso. O homem branco sendo o ser-outro, na construção de uma "contra-antropologia" ou "antropologia reversa", como caracteriza Roy Wagner. Uma contra-antropologia, multinaturalista, como nomeia Viveiros de Castro em seu prefácio. Colocar em questão esse mundo de brancos, ou mundo para os brancos, para que fique mais evidente - e os chamados de Kopenawa não são poucos - a iminência de uma destruição da terra, que colocamos em prática. Nós, "civilização que se julga a delícia do gênero humano". Como o próprio Bruce Albert menciona, se o xamanismo é uma diplomacia cósmica dedicada a tradução entre pontos de vista ontologicamente diversos, o discurso-texto-palavras de Davi Kopenawa não é apenas o relato da vida e do cotidiano Yanomami, mas sim uma experiência da forma xamânica em si, xamanismo em ação "na qual um xamã fala tanto dos espíritos para os brancos, como sobre os brancos a partir dos espíritos"


"Por que os brancos são tão hostis a nós? Por que querem a nossa morte? O que têm eles contra nós que não os maltratamos? Será só porque somos gentes outras, habitantes da floresta? (...) não queremos que os brancos continuem maltratando nossa terra. Isso nos deixa com raiva, mas nem por isso nós os flechamos. Eles se acham inteligentes e poderosos, com suas peles de imagens, suas máquinas e suas mercadorias. O valor de nossos mortos vai ser muito alto, e eles com certeza não vão conseguir compensa-lo com suas peles de papel. (...) Estamos apreensivos para além de nossa própria vida, com a terra inteira, que corre o risco de entrar em caos. Os brancos não temem, como nós, ser esmagados pela queda do céu. (...) sei bem que a maioria deles vai continuar surda às minhas falas. São gente outra. Não nos entendem, ou não querem nos escutar. Pensam que esse aviso é pura mentira. Não é. Nossas palavras são muito antigas. Se fossemos ignorantes, ficaríamos calados. Temos certeza, ao contrário, de que o pensamento dos brancos, que não sabem nada dos xapiri e da floresta, está cheia de esquecimento. De todo modo, mesmo que não escutem minhas palavras enquanto ainda estou vivo, deixo aqui estes desenhos delas, para que seus filhos, e os que nascerem depois deles, possam um dia vê-las. Então eles vão descobrir o pensamento dos xamãs yanomami e vão saber que quisemos defender a floresta." (Cap. 24)

Nestes tempos terríveis, mais tristes do que nunca, vale terminar com um trechinho famoso de um diálogo de Davi Kopenawa com o ministro-chefe da Casa Militar do Governo Sarney em 89. Este pergunta a Kopenawa:

"O povo de vocês gostaria de receber informações sobre como cultivar a terra?"

ao que recebe a estupenda resposta:

"Não. O que eu desejo obter é a demarcação do nosso território."

Cristina.OsunOparA 21/03/2020minha estante
Quanta sabedoria ao nosso alcance!! leitura e assunto primordial!!!!




ANDER CELES 21/01/2022

A mata é viva, de plantas, animais e gente!
A leitura desse livro não é muito fácil, já começa por aí. É uma leitura difícil e precisa ser feita com calma e sem pressa.

É um livro muito rico em informações sobre o povo Yanomami. Meu... É incrível o quão rica é a cultura e os costumes desse povo. É incrível perceber que o Brasil tem tantos povos indígenas e aqui a gente tá vendo a questão de um deles. E é muito rico!

O grande diferencial desse livro é que são as palavras de um próprio indígena. Tipo... não é a escrita de um branco sobre o assunto. O que torna um pouco mais difícil a leitura, porque a narrativa segue os maneirismos da fala do xamã Davi.

Acho que a única coisa que mudaria no livro é que ele é muito repetitivo em alguns aspectos. Mas não é em tudo. Só algumas coisinhas que precisava dar uma lapidada básica.

Infelizmente a gente fica pensando em como seria o Brasil se a coisa não tivesse sido de forma tão predatória. Porque o homem não-indígena parece um bando de demônio, de animais irracionais, entrando na mata e destruindo tudo sem se importar com nada, só com lucro. E a visão do indígena sobre isso é de assombração.

Ver os contrastes culturais entre a cultura das cidades e a cultura indígena faz a gente pensar que precisa, cada vez mais, trabalhar por um bem comum, respeitando o espaço e a individualidade de cada um. Tipo, dá pra buscar o desenvolvimento, mas não precisa ser destruindo. A mata é viva, de plantas, animais e gente!

O final do livro apresenta um relato sobre um massacre e é horrível ler. Felizmente só houve esse relato mais pesado, porque seria difícil ler o livro se não fosse assim. Mas faz a gente refletir que esses massacres, ainda hoje, acontecem. E é triste...

Enfim, leitura muito boa, mas precisa ser feita com paciência e tempo.
comentários(0)comente



Barbara.Luiza 24/06/2021

O dia da resistência dos povos indígenas é celebrado hoje, mas não cabe em um dia, nem em um mês, nem em 768 páginas os mais de 500 anos de luta de tantos povos por seu território e sobrevivência, indissociáveis um do outro.

O que temos aos acompanhar a vida de Davi Kopenawa é um fragmento do macrocosmo socio-espiritual de apenas uma das tantas etnias que, mesmo depois de tanto genocídio, ocupam e povoam o país.

As peles de imagens, como eles chamam as folhas, podem não ter o mesmo efeito da passagem oral de histórias e estórias ancestrais, mas Bruce Albert (o etnografo/antropólogo responsável pela transcrição em francês de um relato concedido a ele na língua dos yanomami) consegue captar o máximo que o silêncio poderia captar.

É com a dança dos xapiri, as epidemias xawara, o ritual do sopro, as caças que se rendem aos caçadores que adentramos no universo de Kopenawa.

Quando fechamos as páginas, porém, é sobre nós e a nossa relação com a mercadoria, a nossa relação com a destruição e a falta de futuro.

Quem só tem olhos para a mercadoria não tem tempo de sonhar, quem destrói o planeta é porque não sonha. E esses somos nós, os brancos e a sanha da acumulação que nos rodeia. A fumaça em nosso peito para que não consigamos ver além de nós mesmos e o ouro que brilha, como garimpeiros da pós-modernidade.

Dessa jornada que foi percorrida na companhia de mulheres incríveis eu pude sair com a certeza de que meu peito tem muito menos fumaça que a de tantos outros brancos, mas o que eu quero não é a expiação de uma culpa burguesa.

Ainda há muita luta, por vida, território e preservação dessas culturas que estão na mira de um genocida desde o dia de sua pose no Palácio do Planalto. Nós não podemos seguir cúmplices!
comentários(0)comente



Arthur 18/02/2023

"Um acontecimento"
Dizem que somos resultado, dentre outras coisas, dos livros que lemos. Resgato esse pensamento para dizer que "A queda do céu" é desses livros transformadores. Narrado por Davi Kopenawa e escrito por Bruce Albert (esse detalhe é importante, e voltarei nele), o livro percorre detalhes etiológicos da vida do povo Yanomami, passando por sua localização, tradições, crenças e hábitos, o contato com a civilização capitalista - e suas consequências - bem como a luta específica de Davi Kopenawa para a compreensão da importância da preservação da natureza e dos povos originários.
Por coincidência, li este livro em meio a toda "crise" vivida pelo povo Yanomami, bem como uma nova luta contra o garimpo, e é estarrecedor perceber que o genocídio chegou a esse ponto sendo que eventos desse porte são denunciados há décadas. Outro fato é: proteger os povos originários e a sua relação com a terra é preservar a vida humana diante do avanço destruidor da sociedade do consumo.
Sobre a estrutura do livro, ao iniciar a leitura fui aconselhado por uma colega Skoober a persistir na leitura mesmo quando ela fosse mais "travada", pois o ritmo melhoraria e no fim valeria a pena: ela tinha razão!
Por fim, o capítulo no qual Bruce Albert descreve o processo de produção do livro também é interessantíssimo do ponto de vista do método e da busca por não influenciar no relato de Davi Kopenawa em função das diferenças linguísticas.
comentários(0)comente



Lucikelly.Oliveira 08/05/2023

Leitura mais que necessária
Eu termino o livro me perguntando pq estudamos mitologia grega na escola e não estudamos também a mitologia dos nossos povos originários?

Que riqueza! Que fantástico. Estou embasbacada com o livro.
Leiam!!!!
comentários(0)comente



Thiago Barros 04/09/2020

?A floresta está em nossas veias?
Depois de concluir essa obra magnífica, fruto de anos de trabalho e pesquisa feitos por Bruce e Davi, me surgiu a pergunta: Porque não estudamos a cultura indígena nas escolas?
Esse livro é simplesmente uma obra prima, a linguagem em que o autor o escreveu, fiel a língua e forma dos yanomami é de arrepiar. Esclarece de forma lúdica a vida, rotina, espiritualidade e desafios desses povos.
É engraçado pensar, o preconceito e linchamento que os brasileiros possui em relação aos indígenas. Se vangloriam por ter sangue europeu e enojam a ancestralidade brasileira.
As lutas e perdas que esses povos tiveram com a colonização ainda permeiam, assim como a ignorância humana. Os homens se articulam como ricos de intelecto, mas são abruptos de conhecimento.
Assim como Davi Kopanawa exalta em seus pronunciamentos e no nome desse livro, o céu está caindo e não vai haver distinção de sobrevivência após sua queda.
comentários(0)comente



isa! 06/05/2023

A queda do céu
Caralh, que livro maravilhoso, daqueles que divide a gente entre antes e depois, me fez refletir muita coisa que eu nem imaginava e trás uma versão da história que todo mundo deveria ler.
comentários(0)comente



tabatatucat 25/12/2022

Não tenho palavras o suficiente para descrever a grandeza desta obra. Além de ser um dos maiores marcos teóricos da antropologia, temos também a história de de Davi Kopenawa e dos Yanomami.

É um livro simplesmente genial, com uma riqueza de detalhes imensurável, digno de toda a grandeza que o cerca.
comentários(0)comente



Gabriel 12/11/2022

Nosso lugar no mundo
Talvez poucos livros que lerei ao decorrer da vida possam ter um significado tão eloquente quanto o que possui A Queda do Céu. Não é uma proposta, tampouco um projeto. É o outro do outro. Uma construção espiritual, existencial e radicalmente verdadeira como talvez nada da superficialidade do ocidente possa alcançar.
Construído de dentro para fora, este livro coloca em questão qualquer ideia pré-concebida que possamos ter sobre nação, país, legitimidade ou autodeterminação dos povos. O que é um "povo brasileiro" que se constituiu a partir da morte da aniquilação de outros povos? Território, fronteira, civilização. Abstrações teóricas que caem por terra diante da força e do sublime da existência yanomami.
A própria existência enquanto livro é uma contramão da forma de transmissão de saberes do povo yanomami. David nos informa que para seu povo as palavras penetram na mende daqueles que escutam sem que essas precisem ser desenhadas em papéis. A cosmovisão do povo yanomami é tão rica que seria impossível tentar descrevê-la aqui, no entanto cada saber parece ser confirmado pela ciência moderna - não que o precise. As palavras de Omama já eram conhecidas muitos antes de nossos ancestrais e assim serão quando não estivermos mais aqui.
Acessar esse saber ancestral a partir do xamã David Kopenawa é uma das maiores gratificações que a leitura poderia um dia me fornecer. Olhar nossa organização social e política a partir da leitura de Kopenawa é riquíssimo ao não conseguirmos justificar de forma satisfatória nossa busca pela acumulação, pela mercadoria e pela dominação de um indivíduo sobre o outro.
Sou profundamente grato por esse livro existir, sinto que de certa forma minha posição nessa sociedade foi levemente questionada. Incomodada. Como de fato todo bom livro deve promover. Não há respostas simples, pelo contrário, sinto que meu panorama de visão se ampliou significativamente com essa leitura e não poderá ser reduzido enquanto eu viver.
tbbrgs 22/05/2023minha estante
adorei sua resenha :)




Kaprãn 25/03/2023

Um livro de extrema importância, no começo é um pouco difícil até se familiarizar com o vocabulário, depois disso vc vai se encantando com a narrativa de Davi e se irritando com os brancos, sobretudo da maneira que foram fazendo contato.
comentários(0)comente



João 18/01/2021

.
A queda do céu é um livro que nos dá uma imersão total a toda cultura indígena da tribo Yanomami localizada no norte do país na fronteira com a Venezuela e arredores. A edição é rica em detalhes, com uma parte destinada somente a mapas, anexos, fotos, glossários, além de uma extensa parte ao final com notas de todos os capítulos registrados no livro. É narrado por Davi Kopenawa um xamã Yanomami, onde junto com o jornalista Bruce Albert teve a ideia de escrever esse completo livro com o propósito de levar conhecimento do seu povo ao mundo.

O livro é dividido em três partes, sendo a primeira chamada “Devir Outro”, onde tenta trazer a nós leitores vários conhecimentos sobre a cultura dos mesmos, nos situando os vários significados e crenças do seu povo, entre elas é retratada como se inicia a passagem para se tornar um Xamã, a relação dos Yanomami com o céu e a floresta, a importância dos espíritos, xapiri, dos ancestrais que perpetuam suas vidas mesmo após a passagem para o outro plano em forma de animais, entre vários conhecimentos.

Já a segunda parte se chama “A fumaça do metal”, nesta parte temos a presença do homem branco, o homem que não mora na floresta, mas que de forma desastrosa penetra na floresta abalando todo o sistema que funcionava lá em paz. Os mesmos aproveitam da inocência dos povos originários e tentam se apropriar do meio em que vivem, oferecendo esmolas ou apareciam com uma falsa salvação, alegando que toda a crença deles era algo demoníaco. Nestes capítulos são citadas as várias “missões” que ocorreram na Amazônia com o determinado fim de “salvar” os habitantes da floresta, onde abominavam toda a cultura existente, além do inicio do desmatamento desenfreado que conhecemos hoje. É citado também em vários momentos a Epidemia Xawara (a enorme onda de malária que perpetuou na década de 1970, que dizimou milhares de índios em toda a região), oriunda dos garimpeiros que tomaram o local.

“Será que os brancos da estrada vão nos fazer adoecer e morrer de novo? Se isso acontecer, desta vez não vai sobrar ninguém para juntar nossas ossadas e chorar por nós” – Trecho retirado do livro, pg. 308.

A terceira e ultima parte, tem o nome de “A queda do céu”, pegando o gancho dos acontecidos na parte anterior, Davi começou a se engajar cada vez mais por lutas em busca de direito ao povo nativo em geral, foi convidado a se juntar a FUNAI e começou a ganhar voz (depois de várias batalhas e obstáculos) em vários espaços nunca alcançado por um indígena antes. Neste capitulo ele vai relatar de forma critica a vida do homem da cidade e sua forma alienada de viver, focada em ambições, guerras, consumo e várias questões do padrão de vida do mundo moderno capitalista.

“Suas cidades estão cheias de casas em que um sem-número de mercadorias fica amontoado, mas seus grandes homens nunca as dão a ninguém. Se fossem mesmo sábios, deveriam pensar que seria bom distribuir tudo aquilo antes de começar a fabricar um monte de outras coisas, não é? Mas nunca é assim!” – Trecho retirado do livro, pg. 419.

“Os brancos de longe também não tem tanta sabedoria quanto pretendem! Não param de repetir que é ruim nos flecharmos uns aos outros por vingança. E no entanto, seus próprios antepassados eram belicosos a ponto de ir até lugares muito remotos só para saquear a terra de gente que não tinha feito nada a eles!” – Trecho retirado do livro, pg. 426.

Enfim é um baita livro para se ter uma noção do vasto mundo da tribo Yanomami de nosso país, conhecer sua cultura, seu modo de pensar, suas críticas ao modo de vida que os povos que residem nas cidades levam, e que basicamente eles querem só viver em paz.
comentários(0)comente



Patrick41 19/03/2023

Um grande ensinamento
Iniciei a leitura desse livro no dia dezenove de janeiro de dois mil e vinte e três, eu tinha expectativas de que esse livro seria bom, mas não esperava que ele fosse tão grandioso. A cada finalização de um capítulo era difícil eu me conter para não continuar conhecendo mais sobre os Yanomami e sua história e junto com a jornada de Davi Kopenawa -uma das grandes lideranças intelectuais, políticas e espirituais mais importante no panorama contemporâneo de defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos, com reconhecimento nacional e internacional.
Está em uma das coisas mais humanamente possíveis ler seus relatos junto com a filosofia dos Yanomami e não se emocionar. Na minha opinião, seu modo de vida faz muito mais sentido do que o nosso, homens brancos. Eles não vivem em função do dinheiro, em ter mais objetos do que outros ou se aproveitar dos outros para tirar vantagens.
Em toda a sua complexidade “A Queda do Céu” oferece muitas coisas além dos relatos de Davi Konenawa ou o modo de vida dos Yanomamis, ele oferece provas de que a vida pode e deve ser muito mais do que aquilo que estamos acostumados em viver; que por coisas tão banais podemos ser tão cruéis. Por conta da nossa ignorância e crueldade, pessoas que apenas estavam vivendo sua vida foram exterminadas.
“A Queda do Céu” é um livro que deveria ser alcançável para todos, dando voz para aqueles que viveram muitas descriminações e massacres; que pede ajuda para suas vozes serem escutadas e deseja compartilhar seus ensinamentos e experiências para aqueles que realmente desejar escutar sobre eles. Um livro que conta com autores que já viveram muito e logo possui tanta experiência como eles. Foi de grande satisfação e conhecimento adquiridos que finalizo “A Queda do Céu”
Taysa M. 25/01/2024minha estante
Belíssima resenha! Parabéns




Ninja 27/06/2022

Essencial para a história, presente e futuro desse país
Esse livro é essencial para todos que se considera brasileiros, pois tudo que é narrado nele acontece neste território identificado pelos portugueses no século XVI como "Brasil" quando iniciaram seu processo de colonização. As comunidades descritas na obra tem uma profundidade política, cultural, religiosa e social indescritíveis de tão complexas, que são descritas de forma impecável pelo xamã Yanomami. Agora imaginemos que existem (e muitas outras deixaram de existir) inúmeras outras comunidades com organizações tão complexas quanto nesse enorme território brasileiro e ficaremos perplexos ao pensar o quanto nossa sociedade atual ignora essa riqueza e, pior, a menospreza, subjulga, aniquila e dizima por meio de nossas epidemias, atividades extrativistas e poluição ambiental.
Enfim, recomendo muito essa leitura, para não só refletirmos o quão rico é o mundo fora dessa nossa pequena visão deturpada e egoísta, mas também para ouvir com cuidado a preocupação super legítima de Davi: se continuarmos com nosso modo de vida extrativista despreocupado, egoísta e desenfreado, vamos derrubar o ceu sobre nossas próprias cabeças.
Grigo 21/09/2022minha estante
Sabe me explicar o que significam as referências M que aparecem nas notas???




Guilherme.Eisfeld 07/12/2022

Uma enciclopédia
Em tempos cada vez mais difíceis atrelados a uma falsa ideia de desenvolvimento, se torna cada vez mais necessário o conhecimento de quem sempre esteve nesta terra, que sempre a preservou, pois conhece a sua real importância.
Não foi uma leitura fácil, pela quantidade de elementos e visões. Poderia classificá-la como uma enciclopédia, diante de tantos aprendizados, cosmológicos, éticos, sociais e naturais. Tiro muito proveito, mesmo sabendo que toquei apenas sua superfície.
comentários(0)comente



39 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR