JP 26/12/2015
Algumas impressões
Deveria existir uma lei universal que desse a toda criança o direito de ouvir histórias antes de dormir. Pode ser de aventura ou de comédia. Com muitas ou com poucas páginas. Contada pela mãe ou pelo avô. Não importa o conteúdo, e sim o ato, a aproximação, o afeto familiar de aconchego, que garante uma confortável noite de sono. Talvez foi pensando nisso que Laura Herrera escreveu Dorme, menino, dorme.
Traduzido por Cecilia Guida exclusivamente para a Editora Livros da Matriz, o livro narra a história de um jovem garoto agitado que tem receio do que pode acontecer caso ele seja abraçado pelo sono. Sua família se une em prol do bem-estar do menino, mas sempre há um detalhe capaz de causar transtorno. Felizmente, tudo é resolvido quando alguém muito especial entra no quarto e elimina, de uma só vez, todos os obstáculos até então apresentados.
A narrativa se passa em um curto período de tempo – exatamente o período que precede o sono do menino – e de espaço – o quarto do garoto, além das imagens mentais que lhe movem o pensamento. Ainda que com poucas páginas, a presença de vários personagens, como a irmã, o pai, a avó, a tia, o avô e a mãe – e também dos não humanos: as velas, o violino, os passarinhos, a manta e o leite – são fundamentais (e simbológicas) para o desenvolvimento da trama e para a amarração do conflito diegético seguida do envolvimento com o leitor.
Carinhosamente ilustrado por July Macuada, a noite apresentada não é a escuridão total, o breu que esconde bichos-papões e lobos-maus, mas a de um azul que desperta a criatividade e os sonhos da infância. Do turquesa ao anil, os tons se mesclam ressaltando a delicadeza com a qual as pinturas foram realizadas. A presença do coelhinho de pelúcia – elemento introduzido por livre arbítrio da artista visual – fortalece o toque onírico da obra, tal quais as nuances pastel em minúcias que não podem passar despercebidas.
Vale lembrar que, como um livro de excelência, as palavras não se chocam com a imagem; ambas dialogam harmonicamente, parecem ter sido encaixadas no lugar certo, como um quebra-cabeça artístico cujas peças encontraram seu par e anunciaram união estável. Esse triunfo tem participação de Elis Nunes, a diagramadora que soube escolher até a fonte adequada para formatar a ficha catalográfica.
É imprescindível registrar o elogio à edição de Aluizio Leite, bem como à consultoria e coordenação editorial de Dolores Prades. Apenas com o conhecimento literário dessa dupla de profissionais foi possível trazer à nossa nação esse primor da literatura chilena. (Para vias de conhecimento, a versão original foi publicada em 2013 pela Ediciones Ekaré Sur, sob o título Duerme, niño, duerme.)
A preparação e a revisão ficaram a encargo do Estúdio Seringueira, que poderiam até ter recomendado uma trilha sonora para acompanhar a obra, embora ela por si só já trabalhe a sonoridade linguística. Mesmo assim, ao me deleitar com esse livro, indicado não somente àqueles com pouca idade biológica, mas a todo leitor que alimenta o encanto pueril dentro de si, ouço a voz da Tiê: “Quando chega a noite, eu não consigo dormir: meu coração acelera, e eu sozinha aqui”.
Tinha coisa mais bela para que eu pudesse me sentir com menos medo da madrugada sombria?
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