Camis 09/10/2016
Chega, Kiera!
Neste momento, começando a escrever esta resenha, estou me sentindo como uma daquelas personagens de seriados sofisticada e bem vestida que está bebendo vinho tinto numa taça de vidro (no estilo Olivia Pope) se preparando para escrever algo intenso e profundo. Ah, são tantas críticas sobre esse livro.
Mas na verdade estou bebendo água num copo de plástico roxo enquanto luto para digitar no meu teclado que está com a letra “e” quebrada. Pra digitar um “e” eu tenho que apertar a tecla com muita força, mas tudo bem. Tenho muito que comentar e tecla quebrada nenhuma vai me desanimar.
Parece um absurdo eu ter dado cinco estrelas para A Herdeira – livro que antecede A Coroa. Na verdade, acho que os dois livros são absolutamente diferentes, e eu já vou explicar porque acho isso.
Pra começar, em contraste à minha resenha do livro #4 da série A Seleção, nesse último houve muito machismo. Nooooooossa, muito. O livro inteiro basicamente se resume a princesa - e futura rainha - se ferrando (pra não dizer algo pior) por causa de misoginia. Nada muito diferente do que nós vemos o tempo todo na nossa realidade, mas o problema é que a autora não teve a sensibilidade de deixar claro que aquilo estava errado. Para qualquer desavisado que ler esse livro, todo machismo que a personagem principal sofre não é só comum, mas, também, normal. Usual. Nada digno de ser criticado, aparentemente, se levando em conta que na estória ninguém nem ao menos diz achar isso injusto ou errado. Para facilitar a compreensão do que estou dizendo, vou deixar algumas passagens que me chamaram atenção:
"Tudo gira em torno da imagem que fazem de mim. Acham que sou fria demais. A maneira mais certeira de refutar isso é me casar. Acham que sou masculina demais. A maneira mais certeira de refutar isso é aparecer vestida de noiva." - (pág. 63).
Eu acho que não preciso nem explicar o quanto isso é revoltante, mas mesmo assim vou reforçar: é claro que uma mulher não pode trabalhar normalmente. É obvio que ela precisa se preocupar com a sua aparência, com o que os outros pensam da sua personalidade e, pior ainda, é óbvio que ela precisa de um homem para realizar suas atividades.
(Nesse momento, se eu estivesse numa série, provavelmente beberia um grande gole do meu vinho de maneira treatal com uma feição claramente irritada).
Outra passagem que eu gostaria de trazer aqui: "- Você não deveria ter provocado." (pág. 253). Outra vez, não preciso nem explicar, mas estou aqui para ser bem didática. Nesse caso, um personagem masculino age mal, com falta de caráter, e é claro que algum espertinho disse que foi a Eadlyn que provocou; a culpa de um cara agir mal é dela, esse blá blá blá de sempre.
Enfim. Meu ponto é: a Eadlyn passa o livro inteiro pensando em como fazer as pessoas gostarem dela porque ela, diferente, por exemplo, de seu próprio pai Maxon, não é o bastante para exercer sua função. Por ela ser mulher. Ela tem que ter um marido, ela tem que ser feminina, simpática, etc, e Cass não retratou isso de maneira crítica, deixando claro que é um machismo pelo qual temos que lutar contra. Não, ela retratou como se fosse uma coisa completamente normal, e não é. Então aqui vai um recado para todas as pessoas que leem esse livro: tudo isso pelo que Eadlyn passou é misógino e errado. Ela é a rainha, cara. Ela não precisa de marido não, pelo amor de deus. Me poupe. (Só pra esclarecer ).
Talvez, diante do cenário político brasileiro que nós estamos vivendo, isso tudo foi uma cutucada na minha ferida. Nós vimos a presidenta Dilma Rousseff sofrer Impeachment injustamente e eu, pessoalmente, tenho certeza que um dos maiores culpados por essa injustiça foi a misoginia. O ódio por ela de alguns cidadãos parecia simplesmente existir e se intensificar por se tratar de uma mulher no poder (isso sem contar as piadas sobre a aparência dela, sobre ela não ter marido, sobre ela “parecer lésbica”... Sem comentários). Quem sabe, se Kiera Cass não soubesse sobre dos nossos problemas políticos, ela não teria escrito o livro de maneira bem mais responsável e sensível?
Falando em política, essa é outra falha imensa no livro de Cass. Dava pra perceber que a autora não sabia o que escrever quando o assunto não envolvia os homens de Eadlyn e sim o trabalho dela. Em exemplo a isso, vou citar uma fala de Eadlyn a alguns cidadãos:
“- Mas tenham consciência de que não importam as leis que eu aprovar, nenhuma terá muito efeito se vocês assumirem a responsabilidade de serem bons com os outros cidadãos.” (pág. 138).
Em outras palavras: a governante disse que leis e o governo não importam, os cidadãos é que têm que ser bonzinhos uns com os outros para a sociedade dar certo.
Que ótima política você é, Eadlyn.
(Nesse momento, na minha série imaginária, eu reviro os olhos e bebo todo o resto do vinho da taça).
Outro ponto importante é que as personagens são construídas pobremente. Eles não parecem ter personalidade. Todos tem o mesmo humor, riem da mesma coisa, fazem o mesmo tipo de comentários e piadas, pensam e falam de um jeito parecido. A autora não soube construir personagens interessantes com peculiaridades únicas e isso deixou a narração muito rasa e chata.
Além disso, a estória inteira, em si, é entediante. Parece que não acontece nada interessante o livro inteiro: só a personagem reclamando de estar cansada mesmo sem ter feito porra nenhuma (pardon my french). A narração é supérflua e fútil e, pra ser sincera, tenho certeza que a autora não tinha o que escrever e só ficou enchendo linguiça até o final.
Eu só gostei, realmente, dos último capítulos, e é por isso que dei duas estrelas ao livro, e não uma. O casal final gerou certa discórdia nas redes, mas eu gostei bastante porque não foi previsível (pelo menos isso, né). E também gostei de uma história que o Maxon contou a filha; foi algo inesperado e me deixou emocionada.
Essa leitura me deixou triste por ter, em minha opinião, acabado a série A Seleção tão mal. O livro inteiro foi desnecessário. Cass podia ter terminado no quarto livro mesmo, A Herdeira, porque como eu disse, esse foi só encheção de linguiça.
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