Gustavo 04/06/2021
E em paz, descansar
A sensibilidade e reverência de Sacks diante da vida brilham de modo especial nesse texto. São quatro textos curtos escritos nos últimos anos do premiado neurologista. Consciente de sua doença terminal, o médico poeta revisa sua trajetória e prepara-se para a despedida final.
Devo destacar que enquanto seu corpo anuncia eloquentemente sua transitoriedade, cresce ainda mais a paixão de Sacks pela vida e seu desejo de "viver de modo mais rico, profundo e produtivo que puder" no período que lhe resta. De fato, conforme o título da coletânea de textos, não encontramos aqui um lamento mas uma aguda expressão de gratidão pela vida, a despeito do medo do que lhe aguarda. Conforme afirma: "Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura".
Embora distante das crenças religiosas de sua família (judaísmo ortodoxo) e infância, Sacks depara-se ao final com o significado do Shabat, e, numa expressão que vale a pena redigir aqui, conclui o texto:
"[...] E agora fraco, sem fôlego, os músculos antes firmes derretidos pelo câncer, encontro meus pensamentos cada vez mais, não no âmbito sobrenatural ou espiritual, e sim no que se quer dizer com levar uma vida boa, que valha a pena - alcançar a sensação de paz dentro de si mesmo. Encontro meus pensamentos rumando em direção ao Shabat, o dia de descanso, o sétimo dia da semana, e talvez o sétimo dia da nossa vida também, quando podemos sentir que nosso trabalho está feito e, com a consciência em paz, descansar".