Retipatia 05/11/2018
Uma Alice apaixonada...
Alice é uma advogada beirando os trinta que vive sua vida repetitiva em Curitiba. Boa parte das aspirações tradicionais dos adultos de sua idade foram alcançadas: sucesso na carreira = check; independência = check; sucesso na vida amorosa = opa... espera! Que horas é mesmo o chá?
Nossa protagonista teve uma infância conturbada em casa e, por isso, encontrou sua própria versão de anjo da guarda na casa ao lado. Enquanto ela era uma criança, ele um adolescente que tinha em alguns momentos as palavras que ela precisava ouvir e, em outras, um picolé, foi o suficiente para eternizá-lo como salvador.
Moldada por essa imagem, Alice sempre manteve a imagem de Max no pedestal e, quando ela ingressa na faculdade, o ideal mítico é atingido quando ninguém menos que Max se torna um de seus professores no curso de Direito. A aproximação entre os dois é clara, reacendendo todas as sensações que seu coração guardou com todo cuidado. A ideia de que ele também estaria se apaixonando por ela não sai de sua cabeça e, claro, bagunça todos seus sentimentos.
Encontros e mais encontros vem e vão, até o dia em que Alice tem certeza de que Max e ela terão seu momento. A queda brusca na toca do coelho em direção ao tão esperado País das Maravilhas é suplantada pelo elemento surpresa chamado Helen. A melhor amiga de Alice surge na festa e os olhares de Max não são mais direcionados a nossa protagonista narradora, mas à mais chamativa personagem da história: a Rainha de Copas.
O enlace estava feito, a partir daí, Alice só ouviria falar do relacionamento que surgia, do namoro e, claro afastar-se de Max, para ela, era a coisa mais natural. Suas esperanças foram destroçadas, mas, com a ajuda de seu fiel escudeiro Alan (ou seria do Sr. Coelho?), a ideia de que tudo fora superado parece finalmente alcançada.
Tudo isso até o ponto de virada. A notícia do casamento entre Helen e Max é o suficiente para destroçar mais uma vez o coração já fatigado e as esperanças de Alice. Max nunca seria seu, afinal de contas. E, é exatamente quando tudo parece estar caminhando para o precipício que as coisas pioram. O aniversário de Helen está chegando e uma festa a fantasia, espalhafatosa como só a aniversariante é capaz de fazer, está prestes a ocorrer.
Num último golpe de tentar superar a tristeza, Alice toma todo o conteúdo do vidro escrito 'beba-me' e aparece na festa perfeitamente vestida de Alice, não ela mesma, é claro, mas numa versão sexy e morena da Alice criança e loira de Carrol.
Mas, não se faz o País das Maravilhas sem os personagens principais: a Rainha de Copas, o Chapeleiro Maluco e um Coelho Branco um tanto quanto mal interpretado, mas que se juntou ao Quarteto Fantástico, no fim das aparências.
O que Alice não esperava era que Max fosse reagir a transformação que a poção de crescimento trouxe. Uma noite inteira de flertes, uma Rainha de Copas adormecida como uma das princesas de outro conto de fadas. Uma Alice e um Chapeleiro saindo juntos da festa. Um Coelho um tanto quanto perdido.
Alice finalmente tem seu desejo concedido, Max é seu, ao menos por uma noite. O que vem depois? A mente conturbada, o peso, o rancor e, numa descoberta, a verdade: Helen está grávida de Max.
Apoiando-se em seu amigo de tão longa data quanto Helen o é, Alice parte para a casa dos tios de Alan, nos arredores de São Paulo, numa tentativa de amainar seus sentimentos tão controversos em relação a ela mesma, à Max e Helen.
O tempo, como era de se esperar de uma história repleta de Maravilhas do País mágico de Carrol, não passa como se deve, mas como ele próprio quer e logo Alice se vê envolta em novos sentimentos e se questionando o que, afinal de contas, deveria ser feito de sua vida e daqueles que a cercam.
O que Alice decide muda o trajeto da vida de todos ao seu redor e, especialmente, a sua própria. O desenlace desse espetáculo, você precisa, é claro, conferir no livro Alice no País do Amor.
Se os primeiros pensamentos que vieram à sua mente foram algo do tipo, "que espécie de amiga Alice é para seduzir o namorado/noivo da melhor amiga?", pare e abra sua mente, as coisas não são o que aparentam. E, devo ressaltar, eu fiquei com sentimentos muito duvidosos acerca de Max e Alice em todo começo da história, tentando desvendar no cerne de cada um desses dois personagens o que cada um realmente sentia e pensava a respeito desse triângulo amoroso totalmente complicado.
Alice, nossa mocinha, é um tanto quanto como a personagem de Carrol, tem um mundo de ponta a cabeça dentro da própria mente. E, como a vida parece não seguir um ritmo que atenda às suas expectativas, as desilusões são certeiras e, as viagens dos pensamentos, constantes, agindo como verdadeira fuga do que a cerca.
A verdade é que nossa narradora é, como tantas de nós, romântica incurável, sonhadora. Bastante pé no chão quando quer e ótima conselheira, também (quem nunca aconselhou com aquele conselho que nós mesmos somos incapazes de seguir?).
O embate principal que Alice passa pela história, vai além do conflito moral entre amar o namorado da amiga, aquele homem tão fantasticamente esculpido em seu coração ao longo dos anos. Chega ao ponto de questionar como é possível reconhecer o amor? Como saber desse sentimento lindo que tantos falam e idealizam? Será arrebatador? Será calmo e fácil? Difícil e tempestuoso? Amor e sexo tem a ver? O quanto estamos preparados para amar? O quanto estamos aptos a reconhecer o amor quando ele está logo a nossa frente? Amor é paixão? E paixão, tem amor?
Uma das surpresas da história, é justamente essa. Ao mesmo tempo que Alice debate consigo mesma e, em alguns momento com Alan, a relação que tem com a própria amiga Helen e com a idealização do homem perfeito a.k.a. Max, ela debate consigo mesma sobre o que é o amor. Ela é cheia de expectativas e fantasias sobre um sentimento mágico e arrebatador, que seria inconfundível. Algo que, quando surgisse, seria impossível não reconhecer. Mas é assim mesmo?
Em um mundo que estamos tão cercados de idealizações, que vão de nossa aparência ao comportamento, é impossível não criar expectativas em cima de ideias, em alguns casos, fantasiosas. Se o amor é arrebatador? Pode ser. Pode ser terno e calmo? Também. Há uma certa quebra de paradigma no que diz respeito às expectativas de Alice, já que tudo que ela tinha como certo é colocado em voga, como se a fumaça de um narguilé tivesse se misturado as coisas e as embaralhado. Ou talvez, tudo pareça um pouco como a louça bagunçada do eterno chá do Chapeleiro Maluco e da Lebre de Maio.
Não pense que os outros personagens estão aéreos no meio disso tudo. Os dois mais explorados são Max e Alan. O primeiro deles por ser o "objeto proibido de desejo" e Alan, por representar o porto seguro de Alice. Ambos vão se mostrando ao decorrer da história. Cada qual com suas próprias características que, apesar de esperadas pela leitora aqui, são reveladoras para nossa Alice. Helen não chega muito a ser bem explorada na história e, seu comportamento e jeito de ser, resta por ser quase uma incógnita no fim das contas. A Rainha de Copas tem muito a que nos contar sobre governar um reino, eu diria.
Um dos encantos da leitura da narrativa que Lucilla construiu no livro, é o próprio País das Maravilhas criado na mente de Alice. Como já dito, ela pensa em verso, em comparações e composições que meros mortais não seriam capazes de criar, quiçá, pensar. E, mesmo que isso possa parecer melódico, estar dentro da mente de Alice é um excelente trabalho de raciocínio. Ela se pega pensando em trivialidades de um modo tão particular que nos faz refletir sobre estas mesmas coisas, enquanto acompanha suas ideias. Para dizer o bem da verdade, os pensamentos de Alice são tão vivos que são quase como um outro personagem, um que existe apenas na mente da protagonista, mas o qual nos é permitido conhecer.
Alice no País do Amor é um romance leve e, ao mesmo tempo, capaz de fazer pensar muito na vida e no amor. Em como tudo pode parecer muito certo e não o ser, em como tudo pode ser bem mais do que se espera ou bem menos. Em como cada um pode se surpreender e descobrir coisas incríveis, desde que permita que o mundo ao seu redor se encontre com o mundo que vive dentro de cada um.
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