Mariana113 28/05/2024
Ganhei essa edição há exatamente um ano atrás no meu aniversário. Pedi para uma amiga de infância dois livros da Clarice naquele ano. Inconscientemente previ que precisaria das palavras dela para fechar um novo ciclo. Demorei exatamente dez meses, já com o livro em mãos para lê-lo. E sem querer comecei ele há dois meses atrás e conclui a leitura na semana do meu aniversário. Foi o livro mais difícil que eu já li de Lispector, eu não leio Clarice para ela fazer sentido como persona, leio Clarice para me fazer sentido, para mim, literatura é isso, alguém (genial nesse caso) te fornece as palavras que te faltam e você as toma, as discerne e transforma em suas quando as compreende. E é aqui que deglutir essa história foi difícil, Lucrécia Neves é uma personagem fora da curva, diferente, e até agora não sei se a julgo muito fútil ou muito consciente de si e do mundo, inteligentíssima até. Nas primeiras páginas ela me era torta, frígida, sem emoção, era como ela mesmo se colocava, um objeto na sua sala de estar, uma tábua rasa para que quem olhasse, enxergasse o que achava que ela representava. Mas quanta coragem se tem para escrever um livro onde, em alguns muitos momentos, os objetos e a própria cidade são mais protagonistas do que Lucrécia, que antipatia que os primeiros capítulos me passavam, eu procurava e procurava o encaixa daquelas sílabas para minha vida e não encontrava. Não entendia o apelo de Lucrécia pela cidade, eu que em luta interna, tinha como um das grandes lamentações a impossibilidade de sair da minha própria cidade natal em expansão, que não enxergo aqui a beleza e a tradição, que não me sinto pertencente, não me sinto cidadã. Enquanto Lucrécia no livro partia e deixava seus conterrâneos, eu na minha vida ficava e via os meus partirem. Que abuso da coincidência, ler esse contraste tão grande entre mim e ela, esperar aqui por uma pessoa completa que te fornecesse o material que procura, e achar uma igual, controversa, que busca sua identidade no mundo e pelas ruas da cidade em que mora, . Lucrécia me foi escrita para reconhecimento, para repensamento, e reflexão, Clarice fez para mim uma personagem que me trouxe diferentes perspectivas de entendimento sobre a vida, que acalmou um sangramento do meu ser, fez uma sutura frouxa, mas necessária e importante em mim. Terminei o livro ainda sem muito decifrar Lucrécia Neves, mas com a certeza que é o tipo de leitura que se deve fazer mais de uma vez, em diferentes idades e em diferentes estágios da vida. A cidade Sitiada é a analogia perfeita para o título, é difícil chegar na cerne de Lucrécia, de se conectar, é preciso planejar, encontrar a falha na defesa, Lucrécia foi mais São Geraldo nesta obra do que ela mesma.