A (extra)ordinária vida real

A (extra)ordinária vida real Mário Baggio




Resenhas - A (extra)ordinária vida real


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Di Morais 25/05/2020

A extraordinária vida real
Uma coletânea maravilhosa de contos escritos com surpreendente sensibilidade.
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Krishnamurti 12/03/2017

A VIDA REAL EM GRITOS E SUSSURROS - MAIS UMA RESENHA QUE ESCREVI PARA UM LIVRO SENSACIONAL DE AUTOR BRASILEIRO!!!
Reza a lenda que o grande escritor português Eça de Queirós teria dito que o conto minimalista “foi criado por um escritor impaciente para um leitor preguiçoso”. Sem entrarmos no mérito da autoria, vez em quando nos deparamos com tais produções que se caracterizam pela economia de palavras, embora possuam início, meio e fim bem claros. São peças bastante específicas, e procuram ir direto ao ponto. É um gênero que vem ao encontro de nossa vida louca: de nosso culto à velocidade, de nossa cultura do impacto.
De qualquer sorte, essa “cultura da brevidade”, para ser bem realizada, além do óbvio conteúdo humano que deve possuir, exige do autor um acentuado domínio do idioma, pois corre-se o risco (pelo canibalesco processo de concisão a que se impõe) de enveredar pelo anexim (ditos populares, sentenças, adágios e assemelhados).
Não é o que acontece em “A (extra)ordinária vida real” do escritor e jornalista Mário Baggio recentemente lançado pela Editora Autografia. Ali estão reunidos 71 pequenos contos onde estão sugeridos contextos. O autor não dita significados, antes os sugere, e o leitor atento, dada a extrema sensibilidade com que Baggio o faz, é apanhado em cheio e sente o choque. Louve-se o seu poder de fogo. Sua ironia corrosiva, seu sarcasmo demolidor.
Realmente diminutos os textos (somente dois ultrapassam duas páginas), se afiguram como ficções de um realismo sem disfarces, um realismo cegante na glorificação do real em sua maior crueza. À medida que a leitura avança assistimos ao desfile impiedoso e impenitente de personagens premidas por circunstâncias existenciais adversas. Em alguns a emoção é insinuada mediante um curto diálogo ou movimentação das personagens, noutros a fração de uma ideia vem à tona e noutros, ainda, não se descreve a emoção, sequer há a preocupação em sugeri-la. O simples acontecimento é a emoção.
Quanto à temática, esta também de sutil angulação quanto ao enfoque, revela a impiedade, o desamor, a indiferença ou a maldade deliberada ao lado de textos de um lirismo comovente como acontece em “A mulher em meus braços” e “Quando ele era um menino” ou ainda “A viagem das lágrimas”. Outro veio que o escritor explora com mestria é aquele que Dalton Trevisan (um dos pioneiros no Brasil do conto minimalista), chamou de “desastres do amor”. O amor conjugal armado em guerrilha é o material de contos como: “O que acontece dentro de casa”, “Por toda a nossa vida” e “Assim será”. Criaturas afinal armadas contra si próprias e contra os que dizem amar.
Através de um apuro formal que se assemelha ao ver e fotografar flagrantes íntimos, as verdades filtradas pela ficção e expostas por Mário Baggio (a tal da vida real como está no título da obra) nos revelam além das grandezas humanas – porque subsistem -, os gritos e sussurros das tristes criaturas que elegeram o sofrimento e a miséria física e moral como um fatalismo cego, um “não há por onde ser diferente”, que acaba por atrasar a nossa condição de seres em vias de ascensão a um melhor existir. Deixamos para deleite a transcrição de um dos mais bem realizados contos, mas não temam os preguiçosos; é bem curtinho:

Brasa adormecida
Ela viajava diariamente na frente dele, no metrô. Nunca trocaram palavra, nem ao menos um olhar, e isso poderia continuar indefinidamente, não fosse uma parada brusca do trem que quase a deixou no chão. O braço forte dele a amparou antes da queda, Obrigada, moço, caso contrário ela teria se machucado de verdade. Essa mão, e o contato dessa mão com seu corpo, fez com que despertasse algo há muito tempo adormecido dentro dela. Além da mão, havia o sorriso dele, um sorriso em tudo amistoso e gentil. Ela agradeceu novamente e ele sorriu mais.
Já recomposta e de novo sentada em seu lugar, ela fixou, sem que ele percebesse, os olhos naquelas mãos enormes e imaginou coisas. Imaginou, por exemplo, o carinho de que seriam capazes aquelas mãos. Fantasiou cenas, cenários, situações delirantes, impossíveis, proibidas, gemidos, gritos, bocas abertas, saliva, narinas dilatadas, odores, respiração ofegante, suor, alívio.
Saiu bruscamente de seu devaneio quando o serviço de som anunciou a próxima estação. Ela se preparou para saltar do trem e olhou para ele ainda uma vez, incapaz de disfarçar o que sentia. Ele sorriu e disse Tenha um bom dia irmã. Ela estremeceu ao ouvir a palavra irmã e saiu rapidamente, mal o trem abriu as portas, esquecendo-se até de levantar a barra do hábito para não tropeçar.

Livro: A (extra)ordinária vida real – Contos, de Mário Baggio – Editora Autografia, Rio de Janeiro-Rj, 2016, 160p.
Renata CCS 17/07/2020minha estante
Mais é menos. Menos é mais. E viva o minimalismo literário bem representado!




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