Renato Medeiros 25/09/2010
Contos de conflitos insolúveis
A noite escura e mais eu, primeiro livro de contos inéditos publicado por Lygia Fagundes Telles, após um breve intervalo no gênero, traz textos selecionados com esmero. A autora mantém sua particular e distinta escrita, além de se deter em maiores cuidados na constituição de suas histórias, transformando este livro em uma coleção de contos extremamente elaborados.
Os contos de Lygia, em sua maioria, não são explícitos, evidentes. Exigindo do leitor a capacidade de reflexão, fazendo com que ele participe da história para buscar a essência dela. Em seus textos, os fatos são fornecidos, mas não destrinchados e, por isso, muitas vezes o leitor acha o conto incompreensível ou insensato, sem nexo. Em A noite escura e mais eu os contos são mais pensados e também discretos, exigindo mais atenção e compreensão de quem lê.
Com esse livro, Lygia novamente traz abordagens polêmicas, que incomodam a moral da sociedade. Exemplo disso é o homossexualismo nos contos "Você não acha que esfriou?" e "Uma Branca Sombra Pálida", assunto já discutido em outros livros dela como Ciranda de Pedra e As Meninas. Além disso, a exclusão infantil causada pela família, tema também já explorado em Ciranda de Pedra, pode ser percebido em "A Rosa Verde". A prostituição, o preconceito e a intolerância em "O Segredo". Novamente a exclusão infantil, somada a memórias de infância e à relação problemática - até traumática - de professores e alunos em "Papoulas em Feltro Negro". Também a velhice, a eutanásia e a inclusão de objetos modernos como o celular, fruto da percepção aguçada da escritora - o livro foi publicado em 1995 - no excelente "Boa Noite, Maria", que também envolve certo mistério. Esse elemento não poderia mesmo faltar em um livro de Lygia Fagundes Telles, o mistério, que marca presença no conto "Dolly", abrindo a seleção.
As protagonistas dos contos de Lygia são predominantemente femininas. A escritora intensifica a sua sensibilidade e busca penetrar no psicológico de suas personagens, sejam elas crianças, adultas ou idosas, por meio do fluxo da consciência. Além disso, o clima de suspense, tão comum em suas composições, continua presente neste livro, mas cede espaço para o pensamento, a interiorização das recordações e para as minúcias que ajudam na concretização da problemática.
A noite escura e mais eu vem à tona como um excelente resultado de dedicação e esforço racional, para formar textos coerentes que passam ao leitor toda a idéia pretendida pela autora, com elegância na escrita e inteligência em sua construção.
Além disso, o título, tirado de um poema de Cecília Meireles, está diretamente relacionado com os contos, mostrando personagens solitárias em meio a uma teia de problemas que influi de formas diversas na vida de cada uma delas, como se estivessem sozinhas e perdidas em uma noite escura, assustadora, em que elas precisarão saber como atravessar ou então sucumbir no meio do caminho.