Antonio Luiz 15/03/2010
A humanidade e o cinema a sério
"Lacrimae Rerum" refere-se à compaixão, à empatia pela tragédia humana. As “lágrimas pelas coisas (dos mortais)” derramadas pelo herói troiano Eneias ao chegar a Cartago e ver cenas da destruição de sua cidade natal pintadas em um mural. O mesmo espírito se expressa nos ensaios reunidos sob esse título pelo filósofo e sociólogo esloveno Slavoj Zizek.
Por trás do trivial, revela o complexo e por trás do fantástico, a estranheza ainda maior da vida normal e real. É uma psicanálise do cinema que, com seu respeito pela profundidade da experiência artística e sua consciência das conexões do inconsciente com a sociedade e a história, é o oposto de "Os Filmes que Vi com Freud" (Imago, 1994) do psicanalista brasileiro Waldemar Zusman que, pelo contrário, reduz o encanto da arte cinematográfica à banalidade de diagnosticar patologias nos personagens.
Os cinco textos de Zizek analisam, por prismas lacanianos e marxistas, as filmografias de Krzysztof Kieslowski, Alfred Hitchcock, Andrei Tarkovski, David Lynch e a série Matrix. Mas não só: o autor encontra oportunidade para discutir pormenores de dezenas de outros filmes, de "Casablanca" a "O Cavaleiro das Trevas" e ainda aludir a história, política, física, filosofia, religião e até Paulo Coelho. Não sem cometer um ou outro deslize (como atribuir as linhas de Nazca aos astecas, mancada digna de Spielberg), mas sempre desvendando insuspeitas cadeias de significados e fantasias por trás de cenas que parecem ser transparentes, ou mesmo puro entretenimento comercial.