ranniery 05/01/2018
Livro para ser sentido
Das histórias que mais marcaram a minha vivência literária durante 2017, uma das principais vieram de um autor iniciante, com um livro lançado no início do ano, mas em cujas páginas me envolvi somente neste fim de 2017. Com uma narrativa delicada e, ao mesmo tempo, angustiante, “Quero Andar de Mãos Dadas” (Amazon), nos conta sobre as dificuldades da descoberta de si mesmo, com a história de dois adolescentes, Nicholas e Johnny, que se veem apaixonados um pelo outro.
“Quero Andar de Mãos Dadas” é a estreia de Victor Lopes como escritor. Com apenas 23 anos ele já possui um domínio singular da escrita, que quase nos força a ler capítulo por capítulo de forma ininterrupta. A obra conta uma história de luta, com conflitos bastante similares aos vividos diariamente por tantos jovens que se percebem homossexuais. De um lado, Johnny, já assumido para a mãe, com uma família totalmente desestruturada. De outro, Nicholas, vivendo o pesadelo de não poder mostrar-se como ele mesmo é perante à família aparentemente perfeita e que deposita diversos desígnios de futuro para o filho. Entre Johnny e Nicholas, a primeira experiência de amor crescente por uma outra pessoa.
Poder conviver com esse sentimento, contudo, é a grande questão da narrativa. Como se relacionar com alguém do mesmo sexo, quando não se tem certeza da tolerância da própria família e dos amigos? Se às vezes a carga dramática da narrativa parece excessiva, é necessário lembrar o quanto as situações vividas pelos personagens podem ser catárticas para o leitor, em especial aqueles que também dividem com as personagens o receio pela descoberta da própria sexualidade.
Aliás, lembrar nem chega a ser preciso, pois as angústias pessoais vividas por Nicholas, principalmente, são intensamente presentes também nas histórias de quem vive o medo de não ser aceito por quem mais ama, e por isso não consegue aceitar e compreender a si mesmo. Nicholas é o filho do meio de uma família cheia de expectativas sobre o futuro do jovem: seguir o exemplo do irmão mais velho, encontrar uma boa esposa e construir uma nova família na acepção mais padrão possível da palavra. O contexto familiar sufoca e frustra Nicholas, por compreender internamente que jamais poderá seguir esse modelo, pelo simples (porém ao mesmo tempo complexo) fato de ser gay.
“Eu quero que meu mundo se pareça mais com o mundo no qual eu me imagino quando fico sozinho no meu quarto pensando na solidão da minha vida. Porque, na verdade, nesses momentos eu não penso exatamente que sou sozinho, somente penso que estou sozinho por não poder nem mesmo estar com quem eu sou de verdade. Eu minto para o mundo sobre quem eu sou, mas, antes disso, minto para mim mesmo” (Nicholas, em Quero Andar de Mãos Dadas)
Johnny, por sua vez, vive um outro tipo de desafio familiar. Uma mãe em meio à depressão, que vive em um relacionamento abusivo e um padrasto que, por diversas vezes, o ameaça e o humilha motivado principalmente pela orientação sexual do jovem, gay assumido. Todos esses desafios servem como cenário para a história de amor entre Nicholas e Johnny.
Mesmo trazendo uma história entremeada de percalços pelo amor entre os dois jovens, a escrita de Victor Lopes tem a capacidade de aquecer o coração do leitor em momentos tenros. As primeiras trocas de mensagens entre os protagonistas, passando pelos encontros entre os dois, nos mostra uma comovente descoberta um do outro, que se transforma na construção de um amor e de uma confiança que passam não apenas pelos momentos bons, mas, principalmente, pelas provações.
Ter a estrutura do livro alternando entre as narrações de Johnny e Nicholas também é um ponto positivo na construção da atmosfera da história. Temos um bom equilíbrio nos dramas pessoais de cada um, ao mesmo tempo que acompanhamos como aquele sentimento novo para ambos, o de amar alguém, vai se desenvolvendo nos corações de cada um.
O livro inteiro retoma o leitor a uma torcida constante para que Nicholas e Johnny possam viver seu amor num contexto de tolerância, aceitação e respeito. Que os dois possam viver seu amor sem temer quaisquer represálias. Um desejo que transborda a narrativa, e traz à tona a urgência dessa querença para as nossas vidas reais.
“Ele me abraçou ali mesmo, na frente de quem pudesse ver. Podia ser só um abraço de amigo, mas eu sabia que era mais do que isso, que havia sentimentos extremamente fortes ali, e então retribui o seu abraço o mais forte que pude. Meu mundo estava em meus braços e eu não queria largar”, (Johnny, em Quero Andar de Mãos Dadas).
site: https://sobrenarrar.wordpress.com/2017/12/30/resenha-quero-andar-de-maos-dadas-de-victor-lopes/