Cafeína 19/04/2023
Gaslighting.
Antes de qualquer coisa, que fique claro que eu não venho com a pretensão de quantificar a qualidade de nada, ainda mais uma obra desse escopo, eu escrevo qualquer coisa sobre a minha experiência de leitura. Em vista disso, eu quero ir de uma vez ao que eu mais gosto nas peças do Shakespeare.
Uma das coisas que eu penso dar essa atemporalidade para a obra dele, é que elas girem em torno de personagens, não meros arquétipos, mais tipos sociais, figuras reconhecíveis, as vezes projeções de um imaginário popular(ou justamente uma satira disto), outras, representações de aspectos da psicologia humana, mas todos sempre muito complexos; Quanto mais eu o leio, mais aprecio o estudo de personagem que o autor parece convidar a fazer.
Exemplo disso são o casa Emília e Iago, que por mais que muitos vão apontar o moço como o carro chefe da peça, tem o seu personagem tão intrinsecamente ligado à mulher que eu passei a enxergar o ?arco de personagem?, por assim dizer, da coisa como um todo. Isso porque a faceta de bom moço que ele expõe faz uma contraparte com a relação que ele tem com a esposa, sempre transparecendo despotismo e exaltação, vide o personagem cujas virtudes se baseiam no raciocínio analítico. Além do mais, é claro que, como em cada canto da peça, não deixa de emergir a presença estrutural das questões quanto ao preconceito com o Otelo, de onde vem muito do ódio do vilão, mas, ao meu ver, pelo menos tanto quanto, a motivação dele também surge, ou ao menos deixa-se transparecer, pela própria frustração: centrar o plano traição não é mero oportunismo da situação, é sobre ferir a tanto a hora e confiança, quanto a virilidade, não à toa que o ciúmes de otelo acometem, dentre os primeiros sintomas, acometem a autoconfiança; além do mais, que fique claro, o próprio Iago vou servo do tal ?demônio de olhos verdes?, por parte do próprio Mouro.
Muito foda, mas não tinha como ser diferente para mim, o atro mesmo é o Otelo. por mais que ele começe quase como que no auge, o que particularmente espelha as habilidades dele, já que tem a questão cultural dificultando tudo, mesmo assim, ele ainda não consegue se desvencilhar da perspectiva de inferioridade que o preconceito dos outros crava sobre ele. O que eu achei mais brilhante é que não se trata de um personagem valoroso, enganado a fazer coisas contra a sua vontade; ele foi enganado? sem dúvidas, mas a ?corrupção? partiu dele, ele quem deu ouvidos às paranóias ao invés da lógica, foi ele quem cultivou o próprio terror. Ninguém tem culpa pela própria ignorância, mas, assim como o herói da história, tem pela maneira como ele escolhe agir; de modo que, no fim, o ápice da tragédia é cometido deliberadamente por ele. Que final incrível!