Higor 03/06/2019
'Lendo Pulitzer": sobre as excentricidades da vida americana
O anúncio de que ‘O simpatizante’, livro de estreia de Viet Thanh Nguyen, havia abocanhado o Pulitzer, maior prêmio literário americano, foi uma surpresa. A temporada de prêmios estava encerrando, e embora o livro tivesse vencido outros prêmios menores, não havia chamado tanta atenção assim ainda. Parecia uma escolha precipitada.
A nacionalidade do autor, embora menor, é algo interessante e que cria curiosidade no leitor em conhecer o livro; somado também ao assunto do livro. Um vietnamita conquistando um prêmio literário com uma história sobre a Guerra do Vietnã parecia clichê demais, mas a Academia certamente captara algo de diferente para contemplá-lo com tal honraria.
‘O simpatizante’ nos apresenta, então, um protagonista sem nome que confessa, logo nas primeiras linhas ser “um espião, um infiltrado, um agente secreto, um homem de duas caras”. Empolga logo de início, é preciso admitir, um livro de espionagem com um contexto histórico interessante. O diferencial está logo ali, um personagem que trabalha para os dois lados da guerra, então seria questão de tempo para conquistar o leitor, afinal, trabalhando para ambos lados, muita ação aconteceria, ou talvez muita informação vazada e compartilhada. Não aconteceu exatamente isso.
Embora não tenha ido ao óbvio, que era apresentar a Guerra do Vietnã colocando o protagonista no centro da tragédia, o autor erra em trazer uma narração, embora bem escrita, muito engessada. Tempo e ritmo não se encontraram; a verdade é que muitas coisas aconteciam enquanto o leitor se via amarrado ao ter de ler como o espião era inteligente, de confiança, bem quisto mesmo sem patente. Certo que é importante o leitor conhecer o potencial e nível de intimidade do protagonista espião, mas, ao mesmo tempo, tudo aconteceu meio atropelado, tanto que eu abandonei o livro na página 72, cansado, para retomar apenas dois meses depois.
Como é sabido pela sinopse, o protagonista se refugia nos EUA por conta da Queda de Saigon, como se fosse contrário ao que acontecia ao Vietnã, quando na verdade queria estar ali comemorando. Foi a partir daí que o livro caiu para mim, e ganhou o Pulitzer. A intenção do Pulitzer, como é do conhecimento geral, é honrar o livro que lide com a vida americana, que é exatamente o que Nguyen faz, tanto que foi laureado: ele abandona literalmente o Vietnã e passa a narrar à vida americana dos anos 70 e 80, seja em música, cultura, comportamento.
Em um primeiro momento, tal prisma é interessante, por conta do contraste e pitacos entre ocidente e oriente, mas depois passa a ser a mera monotonia de um legítimo livro americano, quando um país inteiro fora conquistado e falar sobre as dificuldades da unificação comunista e pós-guerra aparentavam ser mais interessante.
Tudo porque, no livro, os Estados Unidos não se importavam com a guerra. Ninguém falava sobre as atrocidades diárias no país invadido, mesmo que a verdade fosse diferente. Foi a partir da Guerra do Vietnã que os movimentos de contracultura explodiram, principalmente com os hippies. Em ‘O simpatizante’, no entanto, os americanos apenas bebem e fumam chocam os orientais com suas roupas orientais, enquanto os vietnamitas não se sentem americanos e não tem meios de voltar à pátria amada. E nosso antes espião empolgante, passa a ser apenas um fraco cidadão conformado com as coisas, nem totalmente democrata, nem comunista.
É importante pontuar, no entanto, além de cenas belíssimas construídas, como o patriotismo e saudade do autor pelo Vietnã, assim como a saudade que sente da mãe. Nguyen escreveu um livro sincero, apresentando tanto os pontos positivos quanto os negativos de cada posicionamento político, sem levantar uma bandeira ou apresentar um fanatismo exacerbado, que, sinceramente, é o que acontece no Brasil hoje: pessoas cegas, seja de direita ou de esquerda, se esquecendo de lidar com o ser humano, mas preferindo erguer seu posicionamento, sem se importar em derrubar quem é contrário a ideologia.
Com uma escrita bonita e sincera, além de cheia de saudade, ‘O simpatizante’ acabou se perdendo no meio do caminho ao se curvar ao comum, ao Sonho Americano, ironicamente falando, já que o livro critica vez ou outra o termo. Não é, necessariamente, um erro do Pulitzer, afinal, atendeu seus pré-requisitos, mas, sem dúvida, não é um dos seus melhores acertos.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Pulitzer'. Mais em:
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