Lala 27/05/2023
O mestre do terror psicológico diz: somos todos surtados
Tenho que admitir uma coisa: eu tinha preconceito com literatura de terror. E aí eu conheci Poe e esse preconceito foi embora. Se antes eu achava que horror era apenas algo apelativo, clichê, com o intuito de apenas assustar o leitor; depois de ler Poe essa minha visão mudou completamente. Poe me mostrou que não há melhor lugar para falar sobre os medos e as angústias humanas do que na literatura de horror, afinal, quando um sentimento é tão abstrato, o insólito é mais eficaz do que o real para representá-lo. E foi a partir disso que eu comecei a ler outros autores maravilhosos que trabalham com esses temas.
O que eu mais gosto em Poe é que em seus contos o horror é interno e não externo. Não são monstros que assustam, e sim a monstruosidade do ser humano. Na maioria das vezes, não são fantasmas literais que assustam, mas fantasmas internos: o luto que não vai embora, os medos que agonizam, os sentimentos conflitantes. As vezes temos sim elementos do sobrenatural, mas eles sempre vem atrelados a um aspecto do psicológico do protagonista e dialoga com os grandes temas da história.
Muitos contos me marcaram. Berenice e a Queda de Solar Usher me aterrorizaram kkkk, eu li em noites de chuva e fiquei morrendo de medo da Lady Madeleine Usher e do cara de Berenice vir arrancar meus dentes.
O Gato Preto é uma obra de arte em todos os aspectos e eu amo a incerteza, o aspecto dual dessa história: o segundo gato existiu mesmo ou isso era tudo fruto da mente perturbada do protagonista?O mesmo com William Wilson, que é absolutamente fascinante. A relação com o duplo é sensacional aqui, e você acompanha um conflito interno muito forte entre impulso e consciência, que representa a nossa mente humana: somos um eterno conflito entre duplos e contradições que formam quem nós somos. Quando William Wilson mata seu duplo, ele também morre, pois as duas partes compunham quem ele era no fim das contas. E isso é genial.
Por incrível que pareça, eu consegui lidar melhor com medos que eu tenho por conta desse livro, especialmente o medo da passagem de tempo e da morte, que tanto aparecem na obra de Poe. Eu gosto muito do como ele explora esses temas como parte natural da vida humana, e sobre o como tentar impedir a morte e o tempo, sempre acaba em tragédia, pois eles são parte da ordem natural das coisas. É o que vemos em O Caso do Senhor Valdemar e em A Máscara da Morte Rubra.
O Enterramento Prematuro também é um conto que fala muito sobre como as vezes nosso maior inimigo é o próprio medo, a própria ansiedade e sofrimento de antecipação. Me identifiquei muito com o narrador, e ele me fez refletir muito sobre o como a minha cabeça paranóica na maioria das é minha pior inimiga.
Cara, é uma obra maravilhosa, leiam. Poucos autores conseguem desnudar os sentimentos mais viscerais dos seres humanos como Poe faz e isso é fascinante. Recomendo até pra quem não curte literatura de horror, pois vai muito além disso.
Eu gostei da maioria dos contos e achei que fechar com O Corvo uma decisão certeira. O poema é excelente e muito icônico, cheio de profundidade e força, tanto na narrativa como nas rimas. Enfim, tenho que agradecer a leitura conjunta na qual eu me enfiei por puro impulso em 2020, ou eu não teria saído da minha zona de conforto e conhecido o Poe, que acabou se tornando um dos meus autores favoritos.