Lieder Andrade 09/04/2023
Síntese da Obra
O objetivo do livro é apontar as razões do mal-estar que existe na civilização. Inicialmente, é necessário ter o entendimento da análise antropológica que Freud apresenta (de forma alegórica) sobre o surgimento da civilização. Ele argumenta que, no início da humanidade, a vida em grupos pequenos era dominada por impulsos agressivos e sexuais, e que a sobrevivência do grupo dependia de uma figura masculina forte, que seria o líder e o protetor do grupo. No entanto, com o tempo, essa figura masculina começou a ser vista como um obstáculo para a liberdade e o desejo sexual das mulheres e dos filhos, e o grupo começou a desejar sua morte.
Assim, Freud sugere que, em um momento crucial da evolução humana, os irmãos se uniram para matar o pai e assumir o poder do grupo. Esse ato teria criado uma nova ordem social, em que os irmãos, agora líderes, estabeleceram regras e leis que reprimiam a agressão e o desejo sexual indiscriminado. Dessa forma, a sociedade teria surgido a partir da repressão dos instintos mais primitivos e da criação de leis e normas que limitam o comportamento humano pelo bem comum – o uso da civilização é tornar a convivência social harmônica por meio do controle dos impulsos primitivos, da agressividade e da sexualidade.
Após analisar o surgimento da civilização, a base do livro surge quando Freud argumenta que essa repressão afeta diretamente a psique do indivíduo, causando o mal-estar que permeia a sociedade. Nesse contexto, é fundamental compreender a abstração da psique do indivíduo que Freud realiza, incluindo os conceitos de Id, Eu, Super-eu, Eros e Thanatos, fundamentais para sua teoria psicanalítica.
Desse forma, iniciamos com o capítulo 1 – o surgimento do Eu. O autor explora o conceito de Eu e aborda a ideia de separação do Eu em relação ao mundo exterior. Essa cisão começa desde a lactente, quando o bebê distingue o Eu do mundo exterior com base na experiência de prazer e desprazer: seja pela fome, pelo frio, pela dor, ou por qualquer outra forma de desconforto. A partir daí, o bebê começa a distinguir entre o que é agradável e o que é desagradável, e aprende a buscar o prazer e evitar o desprazer, repelindo este último para fora do Eu e para o mundo exterior. Freud também discute a importância da religiosidade na formação do Eu, mas aprofundaremos esse tema posteriormente. Por enquanto, continuaremos com a análise.
No capítulo 2 do livro, Freud aborda os instintos primitivos reprimidos pela sociedade - o Id. Embora não haja um capítulo específico dedicado ao Id, a sua análise é constante ao longo de toda a obra. Nessa parte, Freud introduz a pulsão da sexualidade, também conhecida como libido, como um dos principais componentes do Id. Em capítulos posteriores, ele também falará sobre a pulsão da agressividade. Ambos os instintos são fundamentais para o aprofundamento nos conceitos subsequentes.
Por fim, chegamos ao capítulo 7, onde discutimos a internalização das normas da civilização em nossa psique - o Super-eu. Certamente, esta é a parte mais densa do livro e exige um entendimento claro do conceito que Freud aborda sobre a razão da civilização. O Super-eu representa a internalização dos valores, normas, regras e ideais da sociedade e dos pais, sendo responsável por regular o comportamento moral e ético do indivíduo. Ele se desenvolve a partir da resolução do complexo de Édipo, quando a criança internaliza a figura paterna como autoridade moral e passa a adotar suas regras e proibições como se fossem suas próprias. O Super-eu funciona como um "juiz interno" que julga e pune o indivíduo por seus comportamentos que não correspondem às normas internalizadas. Tais punições foram analisadas neste capítulo como o sentimento de culpa, mas também podem incluir vergonha e sintomas psicossomáticos, como dores de cabeça, insônia e problemas gastrointestinais, entre outros. Além disso, a formação de sintomas neuróticos, como compulsões e fobias, é uma forma de autodisciplina do Super-eu sobre o Eu. Este é um capítulo denso e complexo, mas essencial para prosseguir na análise.
O capítulo 4 e 6 da obra abordam a pulsão de vida e a pulsão de morte, respectivamente, na psique do indivíduo - Eros e Thanatos. Freud apresenta o conceito de "Eros" como a força pulsional que busca a união, a conexão e a preservação da vida, em contraste com "Thanatos", a pulsão de morte, que busca a dissolução, a desintegração e a aniquilação. O conceito de Eros é central no quarto capítulo, pois Freud argumenta que a sexualidade infantil é uma expressão da força vital de Eros. Ele acredita que a busca pelo prazer é uma das principais motivações da vida humana e a sexualidade é uma forma fundamental de alcançar esse prazer. Já no sexto capítulo, é dedicado essencialmente à pulsão de morte (Thanatos). Segundo Freud, a pulsão de morte está presente em todo ser humano e pode se manifestar de várias maneiras, incluindo comportamentos autodestrutivos e agressivos em relação aos outros. Ele argumenta que, embora a pulsão de morte seja uma força poderosa, é geralmente mantida sob controle pela pulsão de vida (Eros). Freud argumenta que esse conflito entre Eros e Thanatos é uma fonte importante de angústia e sofrimento humano, e que a civilização é uma tentativa de controlar e sublimar essas pulsões destrutivas em direção a metas socialmente aceitáveis. A partir daqui, vamos nos aprofundar nos conceitos abordados e como eles se relacionam, chegando à conclusão do livro sobre "o mal-estar da civilização".
Abordamos inicialmente o surgimento da civilização. Agora, no capítulo 3 da obra, vamos aprofundar como a civilização age em nossa psique - cultura, religiosidade e sublimação. Para Freud, a cultura refere-se a tudo aquilo criado pelo ser humano para satisfazer suas necessidades e desejos, como arte, religião, ciência, tecnologia, entre outros. Enquanto a cultura tem origem na própria natureza do ser humano e visa a busca pelo prazer, a civilização é fruto da necessidade de coexistência pacífica e organizada em sociedade, e exige a repressão dos instintos individuais em prol da vida em grupo. E o que acontece com todo desejo e instinto reprimido? Aqui entra o conceito de sublimação. Segundo Freud, a sublimação é um mecanismo de defesa no qual impulsos instintivos são redirecionados para atividades socialmente aceitáveis e culturalmente valorizadas.
O papel da religiosidade entra como uma das instituições mais antigas e importantes da cultura. É uma forma de lidar com a ansiedade e o medo que acompanham a vida humana, oferecendo uma sensação de segurança e proteção contra as forças desconhecidas e a incerteza. Na religião, por exemplo, a sublimação pode ser vista na transformação da agressão em sacrifício ou na busca de valores morais mais elevados. Da mesma forma, a arte, a ciência e outras formas de atividade cultural podem ser vistas como produtos da sublimação de desejos e impulsos humanos.
Freud argumenta que a sublimação é um fator importante na criação e manutenção da civilização, pois permite que as pulsões instintivas sejam expressas de maneiras que são socialmente benéficas. Assim, a sublimação contribui para a organização da sociedade e para a promoção da harmonia entre seus membros. Além disso, a sublimação pode ser vista como uma forma de transcendência, ou seja, uma maneira de superar as limitações do corpo e do mundo material.
No entanto, a sublimação não é suficiente para satisfazer completamente os instintos humanos. Freud argumenta que a repressão dos impulsos instintivos pode levar à neurose e à insatisfação crônica. É por isso que, mesmo com a sublimação, a civilização ainda enfrenta problemas como conflitos interpessoais e a busca incessante pelo prazer. Em seguida, veremos como essa dinâmica atua com os dois conceitos abordados: Eros e Thanatos.
Como já vimos, a sublimação é uma forma de realocar o Id para gratificações substitutivas, em atos socialmente mais aceitáveis. Mais especificamente, como analisado anteriormente, o Id pode ser compreendido como duas pulsões primitivas basilares: a sexualidade e a agressividade. Ambas podem ser sublimadas tanto por Eros quanto por Thanatos.
Por exemplo, ao abordar o destino do impulso sexual, Freud explora como a libido pode ser sublimada em atividades socialmente aceitáveis, como a arte, a ciência e a religião. Essa sublimação é vista como uma forma de canalizar a energia libidinal para objetivos socialmente construtivos, em vez de reprimi-la ou permitir que ela se torne uma fonte de desordem psíquica. Já em relação a Thanatos, a libido pode ser transformada em pulsão de morte quando não é possível alcançar a satisfação dos desejos eróticos ou quando há uma compulsão em direção à destruição. Por exemplo, em casos de sadomasoquismo, a energia libidinal pode ser direcionada para atividades destrutivas. Na agressividade, pode ser direcionada para atividades sublimadas, como a criação artística, a luta esportiva, a competição profissional, entre outras.
Freud sugere que, em algumas circunstâncias, a agressividade pode ser desviada para atividades sexuais, como na fantasia erótica de dominação e submissão, em que o prazer sexual é derivado do poder e da subjugação. No entanto, ele também adverte que a sublimação da agressão em Eros não é uma solução completa para o conflito humano, pois a agressividade pode facilmente ressurgir e se manifestar de forma destrutiva. Em Thanatos, por exemplo, ela pode se manifestar de diferentes formas, desde a agressão física até a hostilidade e a destrutividade emocional.
Na perspectiva freudiana, a pulsão de morte busca um retorno ao estado inorgânico e pode se expressar de maneira destrutiva, seja em relação ao próprio indivíduo ou ao mundo ao seu redor. A agressão seria, portanto, uma das formas que essa pulsão pode assumir.
Observa-se que a sublimação pode ser uma forma positiva de lidar com as pulsões do Id, mas ela não é uma solução completa para os conflitos humanos. É importante compreender que as pulsões primitivas sempre estarão presentes na psique humana e que a sublimação pode ajudar a canalizá-las de forma socialmente construtiva, mas é preciso estar atento às possíveis manifestações destrutivas que essas pulsões podem assumir.
Em suma, "O Mal-Estar na Civilização" de Freud é uma obra complexa e provocativa que busca entender a natureza humana e seus conflitos em relação à cultura e à civilização. Através da teoria das pulsões, Freud explora a sublimação como uma possível solução para lidar com as pulsões primitivas do Id. Embora a sublimação possa ser uma forma positiva de canalizar as pulsões em atividades socialmente construtivas, ela não é uma solução completa para o conflito humano. É importante estar ciente da presença constante das pulsões primitivas e suas possíveis manifestações destrutivas.
Além disso, "O Mal-Estar na Civilização" também destaca a importância da cultura e da civilização na formação do indivíduo e da sociedade. A cultura e a civilização oferecem segurança, proteção e uma estrutura para o desenvolvimento humano, mas também podem ser responsáveis pelo sofrimento e pela infelicidade do indivíduo. Ao final, Freud aponta que a realização completa do indivíduo é uma tarefa difícil, mas não impossível, e que cabe a cada um buscar sua própria realização em um mundo que é inerentemente cheio de conflitos e desafios.