Vitorcfab 22/01/2022
Matilda
Matilda é uma garotinha de 5 anos apaixonada por livros e com uma mente muito avançada para a idade, por isso se sente uma completa estranha perante os demais membros de sua família, que são praticamente o oposto. Porém, a oportunidade de começar a estudar em uma nova escola parece a solução para todos os seus problemas...mas não será.
Na escola, deve lidar com uma diretora cruel e que odeia crianças, principalmente jovens inteligentes como ela. Mas a amizade com uma professora e a descoberta de poderes telecinéticos podem trazer as soluções que ela precisava, ainda mais quando combinados com sua inteligência.
Matilda é o típico livro infantil leve e divertido para agradar as crianças, e com várias qualidades extras para agradar também aos adultos, principalmente por trazer, ainda que de forma óbvia e direta, algumas discussões interessantes.
A escrita do autor é simplesmente perfeita. Mesmo sendo um livro infantil, a escrita é inteligente, cheia de um bom humor sagaz, classudo e com pitadas de críticas. O tipo de livro que não subestima em nada o leitor, mesmo que o público alvo sejam crianças.
Essa história é praticamente uma carta de amor aos amantes de livros, com várias referências a grandes clássicos, principalmente às obras de Charles Dickens. Inclusive, vemos muita influência de Dickens na escrita, com um narrador em terceira pessoa que interage com o leitor, principalmente para fazer piadas mais críticas e dar sua opinião, algo que lembra (muito) a escrita em Oliver Twist, um dos meus livros favoritos de Dickens.
Os personagens são estereótipos exagerados de adultos, principalmente os estereótipos negativos, onde mais ficam claras as críticas do autor. Já Matilda, é uma personagem encantadora, com mais camadas do que eu esperava e com uma personalidade fantástica, foi maravilhoso acompanhar sua história.
Ainda que eu goste muito da ideia por traz de cada personagem e saiba que esse é um livro infantil, não consegui deixar de pensar que poderíamos ter mais desenvolvimento para vários deles, pois já vi (vários) outros livros infantis que investem com força no desenvolvimento e amadurecimento dos personagens, e aqui em "Matilda" havia muito potencial.
Como já mencionei, podemos ver vários comentários sociais, que tornam o livro ainda mais rico. Alguns dos que mais me chamaram atenção:
1 - Os benefícios de uma educação mais centrada em diálogos, encorajamento e incentivo ao estudo, ao invés de uma educação violenta e voltada ao reforço negativo. Vemos também como isso pode afetar o desenvolvimento de um indivíduo, resultando em uma pessoa com dificuldades sociais, submissa e com dificuldades para tomar decisões frente a situações problemáticas, seja por medo ou por terem normalizado alguns comportamentos tóxicos.
2 - A forma como adultos podem limitam a criatividade e desenvolvimento completo de uma criança, principalmente quando impõe suas próprias ideias como uma verdade absoluta e inquestionável.
3 - Vários comentários de empoderamento feminino, uma vez que Matilda é constantemente engrandecida por seu intelecto superior, capaz de superar inclusive o pai, que é extremamente machista em diversos momentos.
4 - A forma como adultos muitas vezes punem crianças sem que haja uma real vontade de ensinar uma lição, mas sim a vontade de se vingar ou descontar alguma frustração pessoal.
A história é uma delícia, e o ritmo de leitura flui muito bem durante a maior parte do livro. Porém, a história também me pareceu mais simples do que eu esperava, mesmo para um livro infantil. As vezes parecia que faltava mais substância, principalmente na reta final, onde o ritmo também fica muito mais acelerado do que eu gostaria, resultando em um final completamente abrupto.
Felizmente, o filme corrigiu esses problemas, então considero o filme um pouco melhor que o livro.... É, acontece.
Agora, uma pequena reflexão. A diretora, Sra.Trunchbull, é retratada como uma senhora gorda e "feia". Recentemente parei para refletir sobre isso, e é triste que durante tanto tempo tenhamos normalizado a representação de pessoas fora do padrão como sinônimo de algo ruim, ou, como é nesse livro, algo maligno. O que vocês pensam sobre isso?
--- Os Personagens ---
Matilda. Uma garotinha inteligente, independente, que não espera nada de ninguém, e vive de forma solitária, mas feliz com sua própria companhia (e de seus livros). Mesmo que os pais não ofereçam apoio em absolutamente nada, ela aprende a se conformar com isso, e passa a se adaptar facilmente a situações adversas. Tem um caráter muito bom, aprecia honestidade e gosta das coisas feitas de forma correta. Dificilmente chora ou se desespera, pois aprendeu que isso pouco (ou nada) ajuda. Compensa seu tamanho pequeno e fragilidade com muita inteligência. Dá para ver nela até um certo gosto por vingança ou de provar que está certa, algo que pode ser um defeito, mas além de ajudar na história, deixa a personagem mais humana.
Sr Wormwood. Pai de Matilda, um homem mal educado, grosseiro, que se acha inteligente e superior, que engana as pessoas, principalmente seus clientes, fazendo diversas coisas ilegais. Tem diversos confrontos com Matilda, onde expressa seus pensamentos machistas.
Sra. Wormwood. Mãe de Matilda, uma mulher alienada, que só se preocupa com sua aparência ou outras coisas fúteis.
Sra Honey. Professora de Matilda. Uma mulher doce, maternal, atenciosa, que gosta de ajudar, sempre vê claramente o potencial das crianças e é muito dedicada a seu trabalho. Ainda que seja um amor de pessoa, também é submissa e se deixa controlar pelo medo, por conta da forma como foi criada. Ela se aproxima de Matilda aos poucos e de forma bela, sendo praticamente a figura materna e atenciosa que ela nunca teve. Junto de Matilda, são as personagens mais profundas e com mais desenvolvimento.
Sra.Trunchbull. A diretora da escola. Se parece muito com o pai de Matilda, sendo uma mulher horrível, que impõe suas opiniões e gostos, enxerga a todos como subordinados, se considera mais inteligente que todos e sente prazer em distribuir punições, até mesmo sem motivos, pensando em formas diabólicas de punir as crianças para se satisfazer.