Daniel Rolim 07/09/2019
É o primeiro livro que li de Noam Chomsky e, logo de cara, me espantei, não em um sentido muito positivo, com o conteúdo da obra, já que se trata de alguém bem visto pela crítica especializada..
Assim, por mais que eu concorde em várias partes com seu ponto de vista, em muitas outras eu discordo radicalmente, pois, para mim, o autor peca por adotar uma visão de mundo um pouco estreita e parcial.
Vejamos alguns pontos:
- impérios sempre existiram, sempre existirão, e, por mais que sejam responsáveis por atrocidades indizíveis, também possibilitam a circulação de ideias, inovações, bens, pessoas, etc, evitando comunidades fechadas, fossilizadas, com noções e costumes mais espessos e arcaicos também. Ainda, pior que a existência de impérios é se não houvesse império algum, o chamado vácuo de poder, em que tudo é possível;
- partindo deste primeiro ponto, podemos dizer que os EUA são, sim, um império, porém nem de longe o pior da história, ou mesmo da história recente, e, por mais falhas que possam ter tido, como a invasão brutal e desnecessária ao Iraque, também ajudaram a perpetuar um conjunto de valores, advindos de outros impérios ocidentais, que nos permitiram sermos quem somos, como o Estado de Direito, os direitos humanos, o livre mercado, a separação da religião do Estado, a noção da igualdade de todos perante a lei, etc, valores estes que possibilitam ao próprio Noam Chomsky ter a liberdade de discordar do que quiser;
- o autor gasta um bom tempo abordando a atitude dos EUA, durante a Guerra Fria, em relação ao terceiro mundo. Longe de concordar com estas ditaduras militares, cuja política de Estado validou crimes e torturas contra civis, bagunçou a noção de democracia e contraiu dívidas impagáveis. Porém, havia uma guerra em curso, e, repito, mesmo que eu não queira validar o horror dessas ditaduras militares, o que houve na Coréia do Norte, no Camboja, na China, etc, é prova do que poderia ter acontecido em outros lugares. Logo, 3 mil mortos no Chile, 500 no Brasil, por mais horríveis que possam ter sido, não se comparam aos 70 milhões na China, 10 milhões na URSS ou 2,5 milhões no Camboja;
- o pib do Chile subiu incríveis 173% entre 1973 (época do golpe militar) e 1993. A inflação era de 352% em 1973, e de apenas 9,9% em 1982. Assim, por mais asqueroso que tenha sido o governo Pinochet, dizer que os chicago boys destruíram a economia chilena é ignorar a realidade;
- Cuba, por mais linda que seja, é uma ditadura. Os Kirchner, na Argentina, foram tão desastrosos quanto. Ignorar isto, também, acaba com a credibilidade de qualquer um;
- Israel foi constantemente atacado entre a década de 60 e 70. Se ganhou todas estas guerras, foi para ser salva da aniquilação. Mas sim, e agora concordando com o autor, os judeus sufocam os palestinos em Gaza e na Cisjordânia, seus assentamentos são ilegais, e isto leva a um círculo vicioso de guerras e barbáries, que só poderiam cessar por meio de uma atitude mais dura para com o estado judaico;
- Também concordando com Chomsky, a mudança climática existe, é em sua maior parte provocada pelo ser humano e negar isto é tão estúpido quanto apoiar a escalada armamentista, principalmente nuclear. O fundamentalismo religioso de algumas partes dos EUA (e do Brasil também), assim como qualquer fanatismo, ofusca a realidade, solapando a capacidade de observação da vida;
Enfim, não nego muitos dos crimes do homem ocidental, listados incessantemente neste livro, mas, se considerarmos que os próprios índios devastaram as megafaunas da Austrália e da América, que os muçulmanos escravizaram quase 2 milhões de africanos no milênio passado, que Genghis Kahn e seus asseclas causaram a morte de quase 10% das pessoas do planeta em sua época, ou que os sapiens foram os responsáveis pela extinção de seus irmãos neandertais, acredito que o problema esteja não só no Ocidente, ou no Partido Republicano, mas na própria natureza humana.