Luchenriques 15/10/2014
Um banquete para debates
Emboscada no Forte Bragg se trata de uma novela do ás do new journalism Tom Wolfe, publicada, originalmente, em capítulos na revista Rolling Stone. O tema central da história traz as figuras do produtor do programa Dia & Noite, Irv Durtscher, e da âncora do telejornal, Mary Cary Brokenborough, ambos na busca de comprovar que três jovens do pelotão de choque do exército americano assassinaram um colega de exército pelo fato dele ser gay.
Irv, o indivíduo que arquiteta o espetáculo, é um sujeito infeliz por não ter reconhecimento e o seu trabalho valorizado, algo comum para os produtores de televisão, uma das engrenagens fundamentais das matérias veiculadas neste meio e também no rádio, mas que, em geral, são pouco conhecidos do grande público. Do outro lado está a loiraça Mary Cary, (re)conhecida por mais de 100 milhões de espectadores, ostentadora do status tão almejado por Irv.
É ele, de novo, o responsável por armar uma emboscada que pretende incriminar Jimmy Lowe, Flory e Ziggefoos, suspeitos de assassinar um colega de corporação. Com a ajuda de Ferretti, um produtor local, Irv instala escutas e câmeras escondidas no DMZ, um bar de strippers freqüentado pelos jovens, em Fayeteville, onde os três combatentes treinam.
Depois de algumas semanas de gravações, Jimmy Lowe conta para seus companheiros que encontrou Randy Valentine chupando outro homem e como tirou a vida dele. Ziggefoos, aparentemente o mais inteligente da mesa, relata aos outros dois quando ele e seu irmão viram, anos atrás, dois homens transando no telhado da casa ao lado do hotel em que estavam instalados. Sem saber o que era aquilo, chamaram seu pai, que arregalou os olhos e gritou contra as duas bichas sem-vergonhas. Duas bichas sem-vergonhas, uma confissão, discursos homofóbicos e várias tomadas, dos mais diversos ângulos para dar a dramaticidade necessária. Irv e Mary Cary tinham o que precisavam. O próximo passo foi ir até Forte Bragg conseguir as declarações capazes de incriminá-los.
Para realçar o show, os produtores contrataram Lola, uma prostituta responsável por levar os rapazes a um trailer com mais imagens sendo captadas. Lá dentro, a garota de programa exibe um vídeo que mostra trechos apreendidos do bar, misturados com uma dança insinuante da moça para seduzi-los e auxiliar na confissão. Depois de apresentar as gravações na tela, Lola sai de cena para a chegada da âncora do programa. Lá dentro, com os caipiras acuados, Mary Cary tenta a todo custo conseguir a confirmação de que eles mataram Randy.
Enquanto o encurralamento é colocado em prática, Irv estuda como vai editar todo o material gravado, e é aí que se encontra o principal ponto de discussão que a obra traz. Quais os limites na edição do que vai ao ar, suplantando informações fundamentais para entender o caso? Como adaptar quando não se consegue a confissão? Vai ao ar e se joga a ética e as diretrizes do jornalismo no lixo? Câmera escondida, usar ou não? Vale tudo para a matéria rodar? Estas são apenas algumas perguntas que o livro deixa no ar...
A obra é um legítimo banquete para se discutir questões éticas durante a produção e a edição em telejornais, além de ser uma excelente leitura para propor uma nova forma de interpretar o que a telinha nos mostra, especialmente para quem desconhece como o conteúdo é concebido, desde a elaboração da pauta até a finalização da matéria e as incontáveis dificuldades neste processo. Conhecimento, este, que serve para se discutir o conteúdo veiculado em outras mídias, como impresso, rádio e internet.
Um ponto que incomoda o leitor fica por conta da edição do livro. A tradução de Toni Marques peca em tentar caracterizar a linguagem caipira durante todas as falas dos três rapazes e na repetição da entonação utilizada por Mary Cary ao pronunciar seu nome, deixando-o repetitivo. Embora a novela aconteça no presente, o gerúndio é utilizado de forma exagerada na história, o que o faz parecer mal escrito, algo que Tom Wolfe jamais conceberia.
Por outro lado, Tom Wolfe mostra ao leitor como o jornalismo é poderoso e perigoso. Perigoso em esquecer que seu papel não é o de julgar, mas, sim, de informar de acordo como os fatos aconteceram ou tentar o mais próximo disso , não com a manipulação de fontes e uma cruzada que tenta induzi-las a dar as tão almejadas aspas, esquecendo compromissos éticos e as funções sociais destes profissionais. E, também, poderoso ao ponto de transformar um assassinato e um caso de homofobia tópicos meramente coadjuvantes, uma vez que a forma antiética de trabalho de produtores e repórteres rouba a cena e se mostra tão prejudicial e perigoso como os crimes mencionados.