Karamaru 08/04/2019
UMA OBSESSÃO NECESSÁRIA
Cada vez aprecio mais os livros de memórias. Há neles, talvez pelo considerável matiz não ficcional, uma identificação quase instantânea pelo público que os lê, talvez pelo fato de instigarem a fazer um exercício de autorrevisão da própria vida, e, em decorrência disso, um sobrepeso das experiências passadas.
Em “Pai, pai”, mais recente título de João Silvério Trevisan, a memória foi o meandro encontrado pelo autor não apenas para ressignificar a figura de seu pai, mas a sua própria, espectro desse pai, o controverso José Trevisan. Nas primeiras páginas, o livro pode até parecer um desabafo; à medida que se avança, no entanto, percebe-se com clareza outras camadas.
É interessante pontuar que, nessa obra, Trevisan não esteve preocupado em seguir episcopalmente uma ordem cronológica e temática: os arquivos memorialísticos são acessados aleatoriamente e, surpreendentemente, isso conferiu mais dinamismo à narrativa, característica reforçada pela limpidez da linguagem em tom confessional mas sem pieguices.
A obra traz muitas referências – políticas, culturais, literárias – do século passado. Outro ponto bastante positivo na minha opinião. Trevisan apresenta, por exemplo, fatos turbulentos da época da ditadura militar no país. Apresenta também informações interessantes sobre o "modus vivendi" de parcela da comunidade LGBTQIA+ dessa época.
Um livro de memórias memorável, melancólico e libertador, que abala e comove, e comprova a máxima de que certas coisas só são clarificadas com o lento passar do tempo, com o olhar experimentado da maturidade, o qual, ainda que triste, por ser mais condescendente com a vida e com o outro, torna-se mais belo.
Vale bastante a leitura.