Djeison.Hoerlle 14/03/2023
Neil Gaiman é indiscutivelmente um dos meus autores favoritos. E se tratando de um leitor pouco afeito à fantasia, isso não é pouca coisa.
O início da relação deu-se por meio de Sandman, e acho que essa série dispensa palavras. Pelo menos no meu caso, já que tantas vezes falei sobre ela. Aí vieram os romances como Os Filhos de Anansi e Oceano no Fim do Caminho. Este último, em especial, construído a partir das memórias do próprio autor, é uma das mais fiéis representações da melancolia que já lembro de ter experimentado. Uma melancolia viral e contagiosa, a qual se mostrou uma das melhores leituras que fiz no ano de 2020, embora tendo algumas ressalvas quanto à parte fantástica - as quais eu suspeitava serem, sobretudo, produto do meu desinteresse pessoal pelo gênero - mas que não me impediram de abrir cada livro do autor com certa animosidade e expectativa.
Mas depois de um mês de intensos confrontos entre meus olhos e as páginas de Lugar Nenhum, posso lamentavelmente dizer que esta animosidade esvaiu-se por completo.
Lugar Nenhum é, para o leitor de histórias mundanas, uma armadilha. Pois Gaiman sabe nos entreter com seus personagens atrapalhados e perdidos em suas vidas ordinárias, as quais não raramente nos identificamos, enquanto transitam por locais reais. Gaiman sabe também nos entreter com as descrições destes locais e suas contradições, que costumam ser o ponto de partida de suas histórias. Mas aí vem a fantasia. O mundo desconhecido. A magia. E no caso de Lugar Nenhum, ela consiste em uma Londres subterrânea marcada pela presença de seres mitológicos, fantásticos e misteriosos, oriundos das mais diversas culturas. E os locais que compõem esta Londres subterrânea foram pensados a partir de piadas com os nomes de locais reais da capital inglesa. O parque Ravenscourt, por exemplo, é em sua contraparte subterrânea literalmente uma corte de corvos. Genial, não?! Não, nem um pouco.
Somado a isso, há uma dinâmica bem lugar-comum entre os personagens, compostos por um humano "normal", o qual parece ser o mesmo protagonista de várias das outras histórias de Gaiman, uma elfa, uma guerreira e uma espécie de ladino. Acompanhar esta comitiva é desinteressante, e os pontos de virada, de sua jornada, também.
Não posso negar que o final da saga de Richard Mayhew, o protagonista, sendo devolvido ao lugar de onde pensava. Nesse ponto, onde o fantástico encontra o real - antes de tomá-lo por completo - é quando Gaiman brilha. O drama de Richard, sem saber se as coisas que viveu foram de fato vividas, ou apenas imaginadas, me tocou, mesmo não tendo sido tocado por suas vivências. Isso inevitavelmente me fez fechar o livro com uma sensação de satisfação. Mas não o suficiente para esquecer o tédio da Londres subterrânea.
Manifesto, aqui, o desejo de ver Gaiman dedicando-se mais à parte baixa de sua fantasia do que qualquer outra coisa. Não construindo mundos inteiros, mas pontes que unam o nosso, ordinário e já totalmente desbravado, com as fronteiras da imaginação e do mágico, mas sem perder-se nos clichês que nele habitam.