Celso 20/12/2017
Fernanda Torres e seu mundo midiático
Fernanda Torres é uma destas artistas cheia de facetas, tanto como atriz ou escritora. Seu segundo romance, A Glória e seu Cortejo de Horrores repete o estilo sarcástico e olhar quase niilista já conhecido da sua primeira obra de ficção, Fim. Seu anti-herói, o ator Mário Cardoso, vive da glória ao declínio nas mais de duzentas páginas, mostrando o mundo dos atores, lugar para lá conhecido pela escritora.
Mário é um ator com seus sessenta anos que decide montar rei Lear, uma oportunidade para sair do ostracismo. Porém, o projeto descamba quando o ator não para de rir em uma das cenas dramáticas da montagem shakespeariana. A carreira despenca, tendo como alternativa fazer uma novela bíblica, no papel de Lot, e, por fim, ser a estrela de uma propaganda de papel higiênico.
Mesmo sendo ficção, sabe-se que tal acontecimento pode ser inspirado em fatos reais. O tom sarcástico permeiam os capítulos que apresentam a história não linearmente, indo e voltando na trajetória do seu protagonista.
Passam citações e montagens de Shakespeare, Brecht, Guimarães Rosa a Plínio Marcos, tanto no cinema, na tevê ou no teatro. É uma imersão no mundo da glamorização e desglamorização do universo do ator.
O ponto de vista de um protagonista masculino, segundo Fernanda Torres, foi uma forma de se distanciar desse universo e ficar mais livre para criar a ficção. Por outro lado, a atriz mencionou em certa entrevista que o único ser humano que é possível falar mal nos dias atuais, do politicamente correto, são os homens, héteros e brancos.
O envolvimento do leitor é imediato na jornada de Mário, de moço da zona sul que se meteu no teatro popular repleto de falas e esquisitices da extrema esquerda a glória (e seu cortejo de horrores) como protagonista da principal novela da maior emissora.
Os personagens são bem construídos, com diferentes camadas mesmo para aqueles que obviamente poderiam cair em caricatura, como a mãe louca ao Pastor, o chefe do lado evangélico da prisão. Por fim, quando a última página chega, Mário finaliza seu processo de redenção concluindo que Macbeth só poderia ser montado, na sua plenitude, dentro de uma prisão. É o reencontro de Mário com a arte, porém amargo e infausto.
A Glória e seu Cortejo de Horrores é, sem dúvida, uma profunda exposição (e reflexão) sobre o mundo contemporâneo, dos seus mitos, do antiquado glamour nacional dos atores de televisão, dos discursos extremados - de direita ou esquerda - e, principalmente, do pessimismo às grandes ideologias. Há certo reconhecimento dos conceitos da teoria do fim da história.
Fernanda se mostra uma vigorosa romancista que confronta a grandiosidade dos sonhos humanos com pequenez e mediocridade da vida privada. Tem ali a grandiosidade das heroínas e heróis da literatura clássica (como Eça de Queiroz e Dickens), imersos nos mesquinhos e divertidos conflitos da classe média de Luiz Fernando Veríssimo, com um bem construído anti-herói como de Lima Barreto aos conhecidos na teledramaturgia americana atual.
Sem dúvida, A Glória e seu Cortejo de Horrores mostra uma autora que é boa leitora. Estamos diante de uma das boas opções de leitura.
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