Poesia na Alma 11/05/2018
Por que eu escrevo?
“Por que eu escrevo?
Por que tenho que
Porque minha voz
em todas suas dialéticas
foi silenciada por muito tempo.”
(Jacob Sam-La Rose)
O que é Lugar de Fala?, de Djamila Ribeiro, 108 páginas, Editora Letramento, é um livro didático, necessário e acessível. O lugar de fala está intrinsecamente ligado à identidade de um grupo, como esse grupo é visto e pensado socialmente e como ele pode sofrer limitações em detrimento dos privilégios de outros grupos. Pensando nesse lugar, é interessante observar a História do Brasil e como ela é contada do ponto de vista do colonizador, uma visão eurocêntrica, judaico-cristã, heteronormativa, machista e que ainda nos mantêm no lugar de colonizados. É nesse contexto que que a autora reflete sobre o lugar de fala do negro, indígena, nordestinos, latinos. Da mulher negra, latina, indígena, quilombola, nordestina, imigrante...
“(...) Então aquele homenzinho vestido de preto diz que as mulheres não podem ter tantos direitos quanto os homens porque Cristo não era mulher! Mas de onde é que vem seu Cristo? De onde foi que Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não tem nada a ver com Ele.
Se a primeira mulher que Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o mundo de cabeça para baixo, então todas as mulheres, juntas, conseguirão mudar a situação e pôr novamente o mundo de cabeça para cima! E agora elas estão pedindo para fazer isto. É melhor que os homens não se matam.
Obrigada por me ouvir e agora a velha Sojourner não tem muito o que dizer.”
(Sojouner nasceu num cativeiro e, em 1843, tornou-se abolicionista afro-americana, escritora e ativista dos direitos da mulher.)
Djamila começa o livro trazendo uma contextualização de mulheres negras que foram historicamente silenciadas, a exemplo de Sojouner. Existe para além do racismo, uma opressão de caráter racial e que fortalece um feminismo hegemônico.
“Leila Gonzalez, também refletiu sobre a ausência de mulheres negras e indígenas no feminismo hegemônico e criticou essa insistência das intelectuais e ativistas em somente reproduzirem um feminismo europeu, sem dar a devida importância sobre a realidade dessas mulheres em países colonizados.”
Há uma excelente relação entre o preconceito linguístico, racismo e as questões de classe. A importância de reconhecer o legado linguístico de povos escravizados e como isso transcende a gramática normativa. A valorização de uma única forma de falar e escrever como certa a manutenção do poder em que determinados grupos são marginalizados.
“(...) é fundamental para muitas feministas negras e latinas a reflexão de como a linguagem dominante pode ser utilizada como forma de manutenção de poder, uma vez que exclui indivíduos que foram apartados das oportunidades de um sistema educacional justo.”
Para além das oportunidades de um sistema educacional justo, há tem um visível silenciamento cultural, baseado no etnocentrismo que deixa o colonizado em posição de inferior que ‘suja’, ‘corrompe’ a língua, o ‘verdadeiro português’. Entretanto, esse ‘português verdadeiro’ tem sua origem no Latim Vulgar. O conservadorismo no entorno de uso da língua no Brasil, marginaliza que essa mesma língua muda e que no processo de colonização foram incorporados novos sons, entonações, vocábulos que cria uma nova língua. É um ciclo tendencioso que mais uma vez silencia latinos, negros e indígenas, já que a única língua aceitável é a eurocêntrica.
“Alcoff reflete sobre a necessidade de se pensar outros saberes. Pensando num contexto brasileiro, o saber das mulheres de terreiro, das Ialorixás e Babalorixás, das mulheres do movimento por luta de creches, lideranças comunitárias, irmandades negras, movimentos sociais, outra cosmogonia a partir de referências provenientes de religiões de matriz africana, outras geografias de razões e saberes.”
O que é Lugar de Fala? pertence a coleção Feminismos Plurais para confrontar um pseudodebate que se estrutura na deturpação da história, raça e de classe, representatividade e feminismo. Que se estrutura em equívocos conceituais sobre o lugar de fala de cada grupo. Que lugar de fala é esse? Quando não se é pensado nesse lugar de fala, quem se beneficia? Quem perde? Para responder a essas perguntas, Djamila traz à luz do debate mulheres negras, latinas pensadoras, pesquisadoras, estudiosas, inclusive nomes como o de Gayatri Spivak, filosofa indiana. Rompendo com uma ótica estreita e simplista que ainda sustenta a deslegitimação de múltiplas vozes.
“Também podemos citar essa realidade no contexto brasileiro, o alto índice de feminicídio de mulheres negras, a constatação de que mulheres negras ainda são maioria no trabalho doméstico e terceirizado e tantos outros exemplo.”
Cada página do livro proporciona aos leitores um universo amplo de desconstrução, pesquisa, novos conhecimentos, de repensar lugares de privilégios. A mudanças implicam em fugir do discurso óbvio e sensacionalista para que de fato possamos falar de democracia, liberdade, feminismo, raça, ética, cidadania... e que essa fala possa, enfim, ecoar as múltiplas vozes. Que essa fala, de fato, se materialize num debate honesto e com equidade.
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