Carla.Parreira 23/10/2023
O homem e seus símbolos
Eis um pouco do que mais me atraiu na leitura: A anima (como a sombra) tem dois aspectos: o benévolo e o maléfico (ou negativo). Nas suas manifestações individuais o caráter da anima de um homem é, em geral, determinado por sua mãe. Se o homem sente que a mãe teve sobre ele uma influência negativa, sua anima vai expressar-se, muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e susceptível. No interior da alma deste tipo de homem a figura negativa da mãe-anima repetirá, incessantemente, o mesmo tema: Não sou nada. Nada tem sentido. Nada me dá prazer, etc. Estes humores da anima provocam uma espécie de apatia, medo a doenças, à impotência ou a acidentes. A vida adquire um aspecto tristonho e opressivo. Este clima psicológico sombrio pode, mesmo, levar um homem ao suicídio, e a anima torna-se então o demônio da morte. Outra maneira pela qual a anima se manifesta de forma negativa na personalidade de um homem é revelada no tipo de observação rancorosa, venenosa e efeminada que ele emprega para desvalorizar todas as coisas. No entanto, se ele for capaz de dominar estas investidas de cunho negativo, elas poderão, ao contrário, servir para fortalecer-lhe a masculinidade.
Se, por outro lado, a experiência de um homem com sua mãe tiver sido positiva, sua anima também poderá ser afetada. Mas de um modo diferente, tornando-o efeminado ou explorado por mulheres, incapaz, portanto, de lidar com as dificuldades da vida. Uma anima deste tipo pode fazer do homem um sentimental, ou deixá-lo tão melindroso como uma solteirona, ou tão sensível como aquela princesa de um conto de fadas que se sente uma pobre coitada mesmo tendo tudo do bom e do melhor ao seu dispor. Ele pensa tanto a respeito da vida que não consegue vivê-la e perde toda a espontaneidade e faculdade de comunicação. Em tudo isto o objetivo secreto do inconsciente ao provocar toda esta complicação é forçar um homem a desenvolver e amadurecer o seu próprio ser, integrando melhor a sua personalidade inconsciente e trazendo-a a realidade da sua vida.
No sentido positivo, a anima assume um papel de guia, ou de mediador, entre o mundo interior e o self. Mas qual a significação, em termos práticos, do papel da anima como guia para o mundo interior? Esta função positiva ocorre quando o homem leva a sério os sentimentos, os humores, as expectativas e as fantasias enviadas por sua anima e quando ele os fixa de alguma forma, por exemplo, na literatura, pintura, escultura, música ou dança. Quando trabalha calma e demoradamente todas estas sugestões, outros materiais ainda mais profundos surgem do seu inconsciente, entrando em conexão com o material primitivo.
É o pai quem dá ao animus da filha as mais variadas e incontestáveis ?verdades?. São convicções que nunca têm nada a ver com a pessoa real que é aquela mulher. Negativamente o animus afasta as mulheres de qualquer relacionamento humano e, sobretudo, de qualquer contato com os homens. Personifica uma espécie de ?casulo? dos pensamentos oníricos, dos desejos e julgamentos que definem as situações como elas ?deveriam ser?, afastando a mulher de toda a realidade da vida. Uma estranha passividade, uma paralisação de todos os sentimentos ou uma profunda insegurança que pode levar a uma sensação de nulidade e de vazio é, às vezes, o resultado de uma opinião inconsciente do animus. O animus aparece muitas vezes nos sonhos simbolizado por um grupo de homens; neste caso, o inconsciente indica que o animus representa um elemento mais coletivo que pessoal. Devido a este caráter coletivo, as mulheres referem-se habitualmente (quando o animus se expressa por seu intermédio) a ?nós? ou a ?eles? ou a ?todos? e, em tais circunstâncias, empregam na sua conversa palavras como ?sempre?, ?devíamos?, ?precisamos?, etc.
Tal como a anima, o animus não consiste apenas de qualidades negativas como a brutalidade, a indiferença, a tendência à conversa vazia, às ideias silenciosas, obstinadas e más. Também apresenta um lado muito positivo e valioso: pode lançar uma ponte para o self através da atividade criadora. O lado positivo do animus pode personificar um espírito de iniciativa, coragem, honestidade e, na sua forma mais elevada, de grande profundidade espiritual. Através do animus a mulher pode tornar-se consciente dos processos básicos de desenvolvimento da sua posição objetiva, tanto cultural quanto pessoal, e encontrar, assim, o seu caminho para uma atitude intensamente espiritual em relação à vida. Isto naturalmente pressupõe que seu animus já cessou de emitir opiniões absolutas. A mulher deve buscar a coragem e a largueza de espírito interior capazes de lhe permitirem avaliar a inviolabilidade das suas convicções. Só então ela estará capacitada a aceitar sugestões do seu inconsciente, sobretudo as que contradizem as opiniões do seu animus. Unicamente assim é que as manifestações do self hão de chegar a ela e fazê-la compreender conscientemente o seu sentido.
Quando um indivíduo luta séria e longamente com a sua anima ou o seu animus de maneira a não se deixar identificar parcialmente com estes, o inconsciente modifica o seu caráter dominante e aparece numa nova forma simbólica, representada pelo self, o núcleo mais profundo da psique. Nos sonhos da mulher este núcleo em geral é personificado por uma figura feminina superior ? uma sacerdotisa, uma feiticeira, uma mãe-terra, ou uma deusa da natureza ou do amor. No caso do homem, manifesta-se como um iniciador masculino ou um guardião (o guru, dos hindus), um velho sábio, um espírito da natureza e assim por diante. O self nem sempre é personificado por uma figura superior ?idosa?, pode também surgir sob a forma de uma pessoa jovem, mas possuidora de dons sobrenaturais. O fato de adquirir várias idades mostra não só que nos acompanha por toda a nossa vida, como também que subsiste além do fluxo da vida de que temos consciência, de onde nasce a nossa experiência de tempo. Muitas pessoas personificam o self nos seus sonhos como figuras públicas proeminentes. E também, muitas vezes, o self é representado como um animal bondoso. Pedras são imagens comuns do self porque são objetos completos, imutáveis e duradouros.
Em muitos sonhos o self também aparece como um cristal. A disposição de precisão matemática do cristal desperta em nós o sentimento intuitivo de que mesmo na matéria dita ?inanimada? existe um princípio de ordenação espiritual em funcionamento. Assim, o cristal simboliza muitas vezes a união dos extremos opostos: a matéria e o espírito. Quando esta imagem surge nos sonhos de uma pessoa podemos ter esperanças de uma solução criadora para o seu conflito porque referencia que o centro psíquico vital está ativado (isto é, todo o ser encontra-se condensado em uma só unidade) de modo a vencer as suas dificuldades. A mandala também representa o self: a forma redonda quase sempre simboliza uma totalidade natural, enquanto a forma quadrangular representa a tomada de consciência desta totalidade.
O fluxo discursivo das representações do ego (que vai de um pensamento a outro) e seus desejos (que correm de um objeto para outro) acalmam-se quando é encontrado o Deus interior. Na verdade, não devemos nunca nos esquecer de que, para nós, a realidade exterior só existe na medida em que a percebemos conscientemente, e que não podemos provar que ela existe ?em si e por si mesma?. Se prestarmos atenção a nossos sonhos, em lugar de vivermos em um mundo frio, impessoal, de acasos sem maior sentido, poderemos emergir, aos poucos, para um mundo realmente nosso, repleto de acontecimentos importantes que obedecem a uma ordem secreta. Nossos sonhos, no entanto, não têm como preocupação dominante a nossa adaptação à vida exterior. Em nosso mundo civilizado a maioria dos sonhos cuida do desenvolvimento (pelo ego) da atitude interior ?correta? em relação ao self, pois devido à nossa moderna maneira de pensar e agir, sofremos um número muito mais intenso de perturbações neste relacionamento do que os povos primitivos.
O lado sombrio e obscuro do self representa um grande perigo, precisamente porque ele é a maior força da psique. Pode levar as pessoas a ?tecer? fantasias megalomaníacas ou outras ilusões capazes de envolvê-las e ?possuí-las?. Uma pessoa que se encontre neste estado poderá pensar com crescente excitação ter aprendido e resolvido, por exemplo, os grandes enigmas cósmicos; perde, portanto, todo o contato com a realidade humana. Um sintoma característico deste estado é a perda do senso de humor e dos contatos humanos. Assim, a manifestação do self pode acarretar grave perigo ao ego consciente do homem. O importante então é ter consciência de ser a pureza e elevação do self, mas sem perder a simplicidade e naturalidade do ego, ou seja, harmonizar dentro de nós a oposição do divino e do humano, a contradição de sermos perfeitos e imperfeitos ao mesmo tempo.