Rodrigo1001 30/10/2017
Que cor tem a pele da justiça? (Sem Spoilers)
Segundo livro de William Faulkner que leio este ano, ?O Intruso? coloca em foco os conflitos raciais nos EUA durante a década de 40.
No livro, um fazendeiro negro chamado Lucas Beauchamp é acusado de assassinar um homem branco, embora jure ser inocente. Ensandecida, a população local quer linchá-lo e queimá-lo vivo em praça pública, sem julgamento.
Por mais que a cadeia que o prende ? e também o protege ? seja reforçada, a fúria irracional da população se mostra implacável.
Essa é a espinha dorsal do livro. A partir deste ponto, Faulkner desenvolve a história com ar de suspense, com uma narrativa de cunho policial e sociológico, flertando com o ?detetivesco?, ao mesmo tempo em que aborda a questão dos negros da América.
Senão o livro mais difícil que li este ano, ?O Intruso? se mostrou desafiador desde o início. Normalmente, eu levaria 1 ou 2 dias para ler um livro de 300 páginas. Este me tomou quase 10 dias. Frequentemente me peguei lendo um mesmo parágrafo múltiplas vezes, e, não raro, me senti como se não conseguisse entender completamente o que estava escrito se não o relesse novamente. O texto, por vezes, me pareceu verborrágico e distante. Regras de pontuação, tal como as conhecemos, são quase inexistentes: há ausência de vírgulas, ausência de paragrafação. Um estilo controverso que também apareceu no primeiro livro que li de Faulkner, mas de maneira mais sutil.
Por essa característica, o início aborrece o leitor, porém, a medida que o enredo evolui, o suspense inflama a curiosidade e ficamos sedentos pelo desfecho. A trama é excelente, como já era de se esperar, e o desenvolvimento é muito bem feito. A construção dos personagens beira a perfeição: Lucas Beauchamp é construído de forma impecável, um negro que não apresenta o comportamento subserviente esperado pelos brancos. Não há rebeldia nem anarquismo no seu comportamento: há altivez, como se Lucas fosse um negro muito à frente de seu tempo. Nesse sentido, o livro medita sobre a conclusão sóbria de que existem aqueles que, mesmo presos, estão livres dentro de suas mentes e aqueles que, mesmo livres, se deixam contaminar por conceitos que os aprisionam em si mesmos.
Um livro relevante em tempos de julgamentos sumários, condenações baseadas em achismos e falta de compaixão com o próximo.
Para encerrar, caso você escolha se aventurar por ?O Intruso?, aconselho que já espere, de antemão, dificuldade infernal de leitura. Prepare seu mais alto nível de concentração, dedique tempo e mergulhe de cabeça. Uma das coisas que mais gosto nos livros do Faulkner é a sua grandeza estética e a riqueza com que escreve. Por mais difícil que seja, vale muito a pena.