João Moreno 04/09/2020Livre mercado de sangueNum dos 'Guias Incorretamente Políticos', o ideólogo - travestido de jornalista - Leandro Narloch vende a ideia de que o Colonialismo não tem tanta relevância para a Divisão Internacional do Trabalho ou para a configuração atual da periferia (e do centro) do sistema capitalista. Falar em "Imperialismo" seria coisa de esquerdista, escreve, algo mofado e arcaico. Assim, de acordo com o grande pensador Narloch, para entender a pobreza dessas regiões, deveríamos olhar e responsabilizar os governantes que vieram depois, após a reconfiguração do mundo, no pós-Guerra. Obviamente, Narloch sabe que está errado, forçando a barra, usando de um trabalho acadêmico de um doutor africano ('lugar de fala' geográfico?) para vender o seu discurso ideológico liberal em forma de "pesquisa séria", "jornalismo verdade", "doa em quem doer", "custe o que custar". A pergunta que fica é: mas financiado por quem?
Héctor H. Bruit, chileno, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), discorda. Em 'O Imperialismo', livrinho didático e curto, o pesquisador explica o que ficou conhecido como Segundo Imperialismo. Entendendo o processo histórico a partir de uma consequência da expansão das bases produtivas dos países industrializados, entre 1870 e 1914, a transformação trazida por esse capitalismo industrial obrigou que esses capitais buscassem novas formas de expansão e de acumulação.
Numa definição de Hobson, economista, um dos primeiros autores a identificar o fenômeno, em 1902, "(...) O imperialismo é um capitalismo na fase de desenvolvimento, quando tomou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, quando ganhou significativa importância a exportação de capitais, quando se iniciou a partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a repartição de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes" (HOBSON apud BRUIT, 1994, p. 6).
Para Bruit (1994), o Imperialismo surgiu com o desenvolvimento de grandes capitais - financeiro, comercial, bancário -, que se fundem, formando grandes trustes. Nesse contexto, as grandes potências precisam defender suas grandes empresas. A expansão do capitalismo tem a ver com os capitais excedentes a serem exportados às periferias aliado ao surgimento do Nacionalismo como "ordem social imaginada", criando, assim, um sentimento nacional, de amor à pátria, competição e rivalidade entre as demais nações. Assim, dentro de uma perspectiva geopolítica, a expansão das potências imperialistas sobre as colônias tem a função de as manterem no topo. A esses fatores, somou-se o surgimento do Darwinismo Social, discurso o qual enxergava a periferia colonial como submissa, inferior e, portanto, "explorável".
Na obra, divida em cinco capítulos, o historiador discute as particularidades do Imperialismo - ao falar de tipos de Imperialismo, por exemplo, Bruit (1994) cita o Imperialismo Comercial, "o comércio de matérias-primas, alimentos e bens manufaturados que estimulou os países industrializados a penetrar e dominar vastas regiões do mundo" (p. 5), e o Financeiro, comandado por "monopólios de banqueiros, investidores e industriais" (p. 6), os quais acabavam por dominar política e militarmente outros povos através da "exportação de capitais que rendiam juros suficientes na Europa" (p. 5). Mais à frente, cita, em diversos momentos, a atuação militar como outra forma de Imperialismo -, e as suas consequências nos diferentes continentes periféricos: África (capítulo 2), Ásia (capítulo 3) e América Latina (capítulo 4). Ao final, no capítulo 5, faz um balanço, muito rápido, sobre as consequências nessas formas de vida e de organização social, seja demonstrando a espoliação material; o genocídio (como os 40 milhões de indianos (p. 71); o aprofundamento da dependência através de investimentos estrangeiros (endividamento do Estado via Dívida Pública; infraestruturas voltadas à exportação de commodities e não ao desenvolvimento e ao enriquecimento nacional etc etc); destruição de modos de vida com os cercamentos forçados; o analfabetismo das populações; a primarização das economias e a conformação desses países numa posição 'inferior' na Divisão Internacional do trabalho etc etc etc.
Gostaria de destacar que, apesar de livrinho introdutório, me surpreendi com a quantidade de dados trazidos pelo professor Bruit (1994). Ao falar sobre a expansão das potências capitalistas sobre os colonizados, o professor diz que, entre 1870 e 1914, houve uma expansão territorial média de 560.000 km²/ano (p. 5). Ao explicar sobre os grandes monopólios e trustes que vão, inclusive, dar origens às multinacionais de hoje, Bruit (1994) aponta que, antes de 1914, havia 122 trustes norte-americanas; 60 ingleses; 167 frances, alemães e suíços. "(...) os monopólios que associavam poderosos bancos foram um fenômeno característico da economia americana e alemã dessa época, e, de forma menos intensa, na Grã-Bretanha e na França" (p. 7). Sobre os investimentos estrangeiros (excedente de capital para ser exportado), diz que Grã-Bretanha, França, Alemanha e Estados Unidos, os quatro maiores, em 1885, exportaram 2 681 milhões de libras esterlinas; em 1914, o valor foi de 7 959 milhões (p. 7). No início do século XX, "a América Latina absorvia 20% dos investimentos do mundo" (p. 49). Quando fala da transformação dos Estados Unidos em potência Imperialista, ao falar política do "Big Stick", "falar manso com um garrote na mão", Bruit (1994) aponta que, "(...) entre 1900 e 1933, os Estados Unidos intervieram militarmente 40 vezes, além de fazerem pressões diplomáticas, chantagem econômica, advertências e ameaças dissimuladas" (p. 56-57).
Quase por fim, não sei porque comecei esse texto assim, com Narloch, talvez numa forma de chamar a atenção para as disputas ideológicas em torno da Memória Coletiva e da História; talvez para evidenciar a própria categoria de "Imperialismo", ridicularizada pela Direita, por um lado, acusada de "teoria da conspiração" por certos setores da Esquerda, de outro. Entretanto, gostaria de registrar aqui a doutrina que conformou e conforma a Política Externa norte-americana, conforme lembra Bruit (1994, p. 2 e 4): se na África e na Ásia figurou a política das "portas abertas", em que "todas as potências têm os mesmos direitos de participar comercial e financeiramente" na exploração (p. 53), na América Latina, os EUA foram guiados pela "América para os americanos", isto é, a América Latina fechada a intervenções externas que não aquelas praticadas pelos Estados Unidos. Vale ressaltar que o "Destino Manifesto", materializado na Doutrina Monroe, de 1823, não foi abandonado, apesar de, em nossas análises, via de regra, abandonarmos tal categoria (do Imperialismo).
Pois conforme disse o historiador Moniz Bandeira, nas suas últimas palavras em 'Formação do Império Americano: da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque', "(...) mediante a guerra ao terrorismo, o que seu filho George W. Bush procurou, completando a militarização da política exterior dos Estados Unidos, foi implementar a doutrina de segurança nacional, baseada na ameaça de preemptive attacks, de modo a desencorajar potencial contestação de sua hegemonia e manter o controle de muitos Estados nacionais, alguns dos quais considerados rogue states, por não se submeterem aos seus desígnios. Esse controle parecia necessário à segurança da ordem econômica global, sobretudo em um cenário de declínio, em que os Estados Unidos se tornavam cada vez mais dependentes de recursos externos (petróleo, matérias-primas e capitais) e, consequentemente, da força militar para garanti-los. E a doutrina de segurança nacional, com a ameaça de preemptive attacks, desenvolvia o Defense Planning Guidance (DPG), de 1992, e o Rebuilding America’s Defenses: Strategies, Forces and Resources for a New Century, de 2000, como base para a realização do Project for the New American Century, visando a superar a contradição fundamental entre a dimensão econômica do capital, que se globalizara, e a estreita dimensão territorial dos Estados nacionais, e atribuir aos Estados Unidos o papel de um Estado ultraimperial, com a função de global cop, empunhando o big stick não mais apenas para a América Latina, mas em âmbito planetário. Daí a necessidade da guerra perpétua, infinita e ilimitada nos seus objetivos, a necessidade de fomentar um clima de permanente tensão e intimidação, com a finalidade de controlar um sistema de múltiplos Estados e submeter todos os países aos ditames do mercado global, sob a preeminência das corporações americanas" (MONIZ BANDEIRA, 2019, p. 784-785).
Em 'A Desordem Mundial: o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitária', "(...) Desde a dissolução da União Soviética, todos os presidentes dos Estados Unidos, George H. W. Bush, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, promoveram guerras convencionais e não convencionais nos Bálcãs e no Oriente Médio, fomentaram a subversão nos países do Cáucaso, sempre sob o pretexto de tornar o mundo “safe for democracy”. Que democracia? Onde quer que os Estados Unidos intervieram, com o “specific goal of bringing democracy”, a democracia constituiu-se de bombardeios, destruição, terror, massacres, caos e catástrofes humanitárias. C’est la réalité des faits. E o certo é que, na história, como Oswald Spengler salientou, não há ideais, mas somente fatos, nem verdades, mas somente fatos, não há razão nem honestidade, nem equidade etc., mas somente fatos.
E os fatos, ao longo da história, sempre mostraram que os Estados Unidos e as grandes potências capitalistas jamais efetivamente entraram em guerra pela democracia e pela liberdade, para proteger civis ou direitos humanos, senão tão somente a fim de defender suas necessidades e interesses econômicos e geopolíticos, seus interesses imperiais. E palavras não mudam a realidade dos fatos" (MONIZ BANDEIRA, 2017, p. 517).
Aos amantes do livre mercado (sic), deixo um depoimento, abaixo:
"Dediquei trinta e três anos e quatro meses ao serviço ativo de nossa força militar mais ágil: a Infantaria de Marinha. Ascendi do posto de segundo-tenente até o posto de major-general. Durante todo este período dediquei a maior parte do meu tempo a servir aos interesses dos Grandes Negócios, à Wall Street e aos banqueiros. Em resumo, fui um pistoleiro às ordens do capitalismo...
Contribuí para converter o México e especialmente Tampico em um lugar seguro para os interesses petrolíferos dos norte-americanos em 1914. Ajudei o Haiti e Cuba a se tomarem um lugar seguro para os rapazez do National City Bank efetuarem suas cobranças... Ajudei também a Nicarágua a cumprir seus compromissos com a casa bancária internacional de Brown Brothers em 1919-1922. Em 1916, facilitei os interesses açucareiros norte-americanos na República Dominicana.
Contribuí para que Honduras seguisse uma política 'apropriada' para as companhias bananeiras norte-americanas em 1903. Em 1927, servi na China para que a Standard Oil seguisse seu caminho sem ser perturbada.
Durante todos estes anos desfrutei, como disseram os 'rapazes', de magníficas prebendas. Fui premiado com honrarias, medalhas e promoções. Olhando para trás, penso que até poderia ter dado alguns conselhos para Al Capone. Ele, no máximo, pôde operar seus negócios sujos em três distritos da cidade de Chicago; nós matinês operávamos em três continentes."
Major-general Smedley D. Butler, em revista norte-americana de 1935. Citado em Bruit, 1994, p. 57-58.
site:
https://literatureseweb.wordpress.com/2020/09/04/livre-mercado-de-sangue-resumo-de-o-imperialismo-de-hector-bruit/