Gabriel 23/12/2022
Resenha – Se um viajante numa noite de Inverno, por Ítalo Calvino.
Esse é um dos livros mais experimentais que já li, e olha que gosto muito desse nicho literário ‘fora da casinha’’.
O livro é construído partindo da premissa de um protagonista Leitor, tal como nós, que entra numa loja pra reclamar de ter comprado um livro em que só havia o primeiro capitulo – sendo este livro de um único capitulo o próprio que dá nome ao livro que lemos ‘’Se um viajante numa...’’.
A partir de então, é costurado pelo Ítalo uma narrativa de aventura deste Leitor em busca do restante do livro que estava lendo – sendo este capitulo ‘’único’’ algo que nós, leitores, tambem lemos. Porem, a busca deste protagonista só nos leva a mais livros interrompidos, de somente um capitulo, intercalado com a própria busca do protagonista no meio desse emaranhado.
Ficou confuso, então dou exemplos.
O protagonista busca terminar o livro que estava lendo, porem na própria livraria já lhe é dado outro livro, que tambem tem somente um capitulo – mas disso o Leitor-protagonista não sabe, sendo este outro ‘’livro inacabado’’ algo que tambem lemos. Ao terminar esse capitulo, por sua vez, sentindo-se frustrado, o leitor parte em busca da continuação deste último livro que lia, pra se meter em outra enrascada que o levara novamente a outro ‘’livro inacabado’’, de um único capitulo, que tambem nós lemos.
Toda estrutura é contada desta forma: uma história com apenas um capitulo – as aventuras do protagonista/leitor em busca da continuação deste – uma nova história de um único capitulo (encontrada pelo protagonista/leitor). E isso se repete por 10 vezes, em 10 ‘’romances de apenas um capítulo’’, sendo que cada um destes apresenta com um estilo narrativo e de gênero diferentes entre si.
Eu digo história com apenas um capitulo porque dizer que é ‘’inacabado’’ seria um erro – um que eu cometi a alguns parágrafos, mas minha resenha ainda não acabou, logo, posso subverter o significado do erro porque ainda possuo palavras pra tal enquanto transcorre a narrativa dessa resenha.
Inacabado, retomando, seria incorreto porque muitas das histórias ‘’de capitulo único’’ que costuram a história do protagonista, se apresentam como pontos narrativos fechados – na minha interpretação, ainda que esta seja extremamente subjetiva.
Claro que em algumas destas histórias de capítulos únicos pode haver uma frustração da ‘’necessidade de saber mais’’, porem, na grande maioria delas, apenas um único capitulo foi o suficiente pra que eu pudesse aprecia-las, de forma individual.
Eu poderia dizer, portanto, que esse livro não passa de uma coletânea de contos, que se passam por livros ‘’interrompidos’’, amarradas pela busca desenfreada de um protagonista/leitor pela continuação destes. Porém, se eu afirmasse tal, eu tambem estaria errado. E a culpa é de Ludmilla.
Ludmilla é uma das personagens principais desse livro. E ela é a força motriz dele. Uma das. A outra força é um vilão. E há um vilão maior, por traz de todos os livros interrompidos, porém não me demoro nisso, pra instigar a curiosidade.
Ludmilla é o par romântico do protagonista/leitor, ele conhece ela na mesma livraria inicial que se dispõe a ir reclamar sobre o livro interrompido por ter apenas um capitulo e, a partir daí, ela tambem se vê presa nesse emaranhado de histórias interrompidas que acompanhamos no desenrolar do livro.
‘’ -Prefiro os romances - acrescenta ela - que logo me fazem entrar num mundo onde tudo é exato, concreto, bem especificado. Sinto uma satisfação pessoal em saber que as coisas são feitas de determinado modo e não de outro, mesmo as coisas pouco importantes que na vida me são indiferentes.
- Uma fala de Ludmilla’’.
Eu digo que está mais incrível leitora, Ludmilla, é força motriz do enredo tanto por ser um pilar de razão ao protagonista quanto por representar o que há espalhado por todo livro – um jogo de espelhos. Ludmilla se apresenta como uma personagem que consome livros de forma desenfreada, pra fugir de si mesmo, pra fugir dos outros e pra fugir da realidade. Ela é uma leitora avida, sempre perdida nos livros, porém não se demora na reflexão após o fim destes.
É o contrario de sua irmã, Lotaria. Que consome livros e se dispõe a destrinchar cada aspecto destes, de pontos de vista acadêmico/filosófico/literal.
Ao longo do livro podemos notar, tanto na história principal quanto inserida em algumas das histórias de capítulos únicos, diversos personagens que se apresentam tanto como espelhos opostos como facetas diversas de um mesmo contexto. Os espelhos estão em tudo.
Por fim, esqueça tudo que eu disse.
Basta deixar aqui explicitado que o Ítalo nesse livro se dispõe tanto a uma ode quanto a subversão do que é um livro, do que é ler, do que é uma história e da paixão pela literatura.
Tudo isso é construído com extrema maestria, em passagens que nos fazem refletir e apreciar diversas perspectivas relacionas ao ato de ler. Ítalo faz isso hora contando uma história, hora contando uma história dentro da história, hora inserindo a gente como leitor dentro da história e hora nos fazendo sentir coniventes com toda sequencia de acontecimentos, que não conseguimos deixar de acompanhar.
Não há mais nada que eu possa dizer. E qualquer coisa que eu vá escrever aqui será falsa, e é só na falsidade das minhas palavras, nessa resenha, que vai se encontrar a verdade - que é a mistificação da minha opinião sobre um livro.
Amei, nota máxima.