Queria Estar Lendo 22/08/2018
Resenha: A Origem do Mundo
A origem do mundo – A história cultural da vagina ou A vulva vs. o patriarcado é uma HQ da sueca e ativista feminina Liv Strömquist publicada no Brasil pela Companhia das Letras, que nos cedeu um exemplar para resenha.
Com uma característica feminista bem presente, o livro se propõe a discutir a vagina e como ela é abordada na sociedade. A começar pelo seu nome, que cientificamente é inadequado, já que a vagina é na verdade o canal interno que faz parte do sistema reprodutor feminino, e não ele como um todo. Pelo correto, quando nos referimos a parte exterior do órgão feminino, deveríamos chama-lo de vulva. Mas não é isso que aprendemos, mesmo em livros escolares.
Essa é apenas uma pequena ponta do iceberg que notamos quando decidimos falar sobre o sexo feminino, a ineptidão de retratá-lo. Seja pela forma incorreta de chama-lo, por sua ausência na representação gráfica ou até mesmo pela maneira com que nos negamos a discutir sobre ele. Aliás, sobre ela. Sobre a vulva.
Mas o que hoje é um grande tabu e motivo de repúdio, já foi de interesse de muitos. E é claro que da maneira mais distorcida possível, dentre as pessoas que poderiam vir a serem interessadas – muitas vezes até demais – na vulva, obviamente esse papel cabia aos homens. Pois que desgraça seria se as mulheres se interessassem – ou tocassem?! Que absurdo! – pelo seu próprio sistema reprodutor, não é mesmo? Foram os homens que estudaram a vulva e suas particularidades, e em muitos casos cometeram atrocidades em nome dos seus estudos.
Não é uma surpresa que a maneira como reagimos como sociedade – principalmente nós, mulheres – em relação ao sistema reprodutor feminino seja tão complexa e deturpada. Em pleno sexo XXI os homens ainda desconhecem a existência do clitóris, ou sua localização e até mesmo sua extensão e função. O mais bizarro disso? Até pouco tempo atrás, nem mesmo os médicos compreendiam o tamanho do clitóris. Por que seria isso? Por que um órgão tão importante para o prazer feminino poderia ser tão pouco estudado e compreendido pela própria medicina? Talvez porque o prazer feminino nunca foi relevante em nossa sociedade.
Mas esqueçam o prazer feminino – os homens com certeza já esqueceram! -, vamos falar de algo ainda mais arbitrário: a forma como nós renegamos nossa vulva/vagina. As mulheres possuem muitos complexos em relação ao seu corpo de um modo geral, pois somos nós que sofremos com padrões estéticos impostos e pelos quais somos cobradas desde nosso nascimento (pobres bebês recém-nascidas que já precisam ter suas orelhas furadas em nome da estética). Tanto o homem fez, ao longo da história da humanidade, que conseguiu fazer com que as mulheres sentissem aversão a sua vulva/vagina.
Enquanto o homem é extremamente apegado ao seu pênis e acha que o mundo gira em torno dele – e aqui eu gostaria de mandar um grande “vai a merda” a Freud e sua “inveja do pênis” -, a mulher desconhece sua vulva e tem nojo da mesma. O pênis é um troféu, mas a vulva a algo do que se envergonhar. O sexo da mulher é e sempre foi ligado a algo sujo, pecaminoso e nojento. Mas o pênis, que serve para as mesmas funções escatológicas, não é visto dessa forma. Para além dessa questão social, a vulva agora tem sido motivo de desgostos femininos quanto a seu formato e tamanho. O número de cirurgias plásticas para diminuir o tamanho dos lábios vaginais não para de aumentar.
E aqui eu faço um adendo, rapidamente, apenas para refletirmos sobre como o homem precisa ser forte, musculoso e viril. Enquanto a mulher deve ser frágil, dócil e inocente. O pênis deve ser grande, grosso e imponente. E a vulva pequena e delicada. Reforçando o estereótipo do homem invasor e da mulher vítima. Ativo e passivo. O possuidor e o ao ser possuído. O pênis e o buraco.
São essas reflexões que nos fazem enxergar nossos corpos e a sociedade como um todo por um ângulo totalmente novo e muito mais complexo. Nada é por acaso. A forma como vivemos e nos comportamos hoje não é coincidência, tudo faz parte de uma junção de fatores e de escolhas que não foram feitas por nós (pessoas dos dias atuais), mas que principalmente não foram feitas por ou para as mulheres.
Quando um bando de homens brasileiros faz uma russa ficar falando coisas como “buceta rosa”, isso não é algo nascido do além. Não é uma coisa que eles pensaram por si só. É uma construção da sociedade e, infelizmente, não é nova. Mas situações como essa precisam acabar, e construções sociais se criam e se fomentam a cada dia, só é preciso querer, é preciso fazer algo a respeito. Porque a vida não foi sempre assim, essas construções foram criadas, a ferro e fogo e muito empenho, para que fossem assim.
Antigamente, e eu estou falando de tempos relativos ao primórdio da humanidade, a sociedade era muito diferente do que entendemos hoje. A vulva, por exemplo, era algo sagrado. Afinal, era dela que nascia a vida. As mulheres eram vistas de maneira diferenciada, relacionadas ao sagrado e ao religioso por serem elas detentoras da vida, e uma vulva com lábios grandes era algo a ser admirado, jamais envergonhado.
A origem do mundo nos conta, em seus quadrinhos cheios de conteúdo e tão necessários de se ler, sobre como desde então o tempo passou e o patriarcado foi decidindo, ano após ano, como as mulheres deviriam se sentir sobre sua própria vulva. E como nós fomos permitindo. Mas não mais, não mais.
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