@fabio_entre.livros 06/09/2019
"Essa não é uma dança da morte, na verdade. É, no fundo, a dança dos sonhos."
Originalmente publicado em 1981, “Dança macabra” é o primeiro livro de não-ficção de Stephen King; embora ele já tivesse escrito textos avulsos sobre as variações e formas do terror (como a excelente introdução de “Sombras da noite”), é aqui que ele se aprofunda no tema mais detalhadamente, abordando o percurso histórico do gênero nas mais diversas mídias. Por muito tempo eu deixei este livro de lado por temer que o King assumisse uma postura muito técnica e pedante de “guru do gênero”, o sabe-tudo-do-verdadeiro-terror... temor infundado, felizmente. Com uma escrita informal, bem-humorada e totalmente subjetiva (afinal, é a opinião DELE sobre o que ELE pensa sobre o assunto), “Dança macabra” é uma leitura que flui muito bem, especialmente para quem gosta de cinema e literatura de horror.
Ao longo de 10 capítulos (mais a introdução, o pós-escrito e dois apêndices) o livro explora os variados aspectos do horror enquanto forma de entretenimento, ao mesmo tempo em que disseca o contexto cultural e histórico dessas produções – tanto para a época e público a que se destinavam quanto especificamente na formação intelectual do próprio King. Começando por seus primeiros contatos com o gênero ainda na infância (através dos antigos filmes de monstros dos anos 50), King avança para a análise de alguns dos maiores clássicos de terror, destacando os três principais títulos e os respectivos arquétipos representados por eles: “Drácula” (Vampiro), “O médico e o monstro” (Lobisomem) e “Frankenstein” (Coisa Inominável). Esta foi a minha parte favorita do livro, uma vez que aprecio muito tais obras. Embora numa linguagem simples, as análises desses livros e sua influência para praticamente todas as produções posteriores são bastante sólidas e esclarecedoras, pois King dá ênfase ao significado metafórico daqueles monstros como embasamento para o horror em geral.
Mais à frente ele comenta o impacto do cinema de terror, abordando os filmes mais famosos do gênero até então e seus subtextos sociais e políticos. Essa análise se estende também às produções da televisão, do rádio e dos quadrinhos para, finalmente, abarcar na ficção de terror moderna (para a época). Essa parte do livro é interessantíssima e só lamento que alguns dos livros citados não tenham sido publicados no Brasil (ou estejam esgotados). Se por um lado King apresenta os melhores romances de horror publicados entre os anos 50 e 80, não poupando elogios a Shirley Jackson, Peter Straub e Ira Levin, por outro lado não tem papas na língua na hora de malhar autores como Sidney Sheldon, Frank De Felitta e – sim, até ele – William Peter Blatty.
Ao concluir a leitura, há dois pontos que eu gostaria de destacar; o primeiro diz respeito ao conteúdo da obra: acho que “Dança macabra” foi publicado “cedo demais”. O cenário do terror cresceu tanto e pariu tantas obras notáveis a partir dos anos 80 (década de ouro do cinema trash) que certamente renderiam um livro com o dobro do volume do maior calhamaço do próprio King (“A dança da morte”). Fico devaneando em como seria incrível ver King debatendo “Hellraiser”, “Re-Animator”, “The Evil Dead”, “Um lobisomem americano em Londres”, “Abismo do medo”, “Fome animal”... até os recentes “Martyrs” (o original francês) e “Hereditário”.
O outro ponto refere-se especificamente à edição da Objetiva. Muitos dos livros citados na obra estão com o título original em inglês, e acho que isso seria aceitável apenas se tais livros não tivessem sido lançados no Brasil. Acontece que na época de publicação dessa edição (2003), eles já tinham sido traduzidos no Brasil há mais de dez anos. Só para citar alguns exemplos: “The Stepford wives” (“As possuídas” / “Mulheres perfeitas”), “Lord of the Flies” (“Senhor das Moscas”) e “The body snatchers” (“Os invasores de corpos”). Talvez a editora tenha simplesmente reaproveitado a tradução publicada pela Francisco Alves nos anos 80 e isso justifica em parte a falta dos títulos traduzidos; porém, não desculpa, a meu ver, o desleixo da editora em atualizar o material e revisá-lo (pois também apresenta uma quantidade notável de erros de digitação).
Mas certamente tudo isso são questões secundárias e não desmerecem o conteúdo da obra. É um livro divertido e instrutivo, e se não dou nota máxima é por discordar de certos posicionamentos do autor – embora não possa criticá-lo por isso. Não se pode dizer que King não é franco.