ricardo_22 15/08/2018
Resenha para o jorna Pinhal News (Ed. 578 - 11 de ago. 2018)
A biblioteca de Pinhal é uma das principais referências culturais da cidade, há mais de setenta anos, e também cenário do novo livro do pinhalense Alexandre Staut. Depois de ser finalista do Jabuti 2017, com as memórias gastronômicas de Paris-Brest, o escritor acaba de lançar O Incêndio (Folhas de Relva Edições, 2018), obra capaz de fazer todo conterrâneo se sentir parte da história.
O romance é narrado por Antônio, bibliotecário convivendo com o fantasma da desativação da biblioteca municipal, que não mais representa nada de bom ao poder público. Apesar dos livros estarem sendo devorados por cupins, o telhado sofrendo infiltrações e a população não visitar o local, isso abala a personagem a ponto de levá-la a resgatar suas antigas memórias.
Embora em nenhum momento locais sejam identificados, todo pinhalense é capaz de reconhecer as referências à cidade e ao tombado prédio da Praça da Independência. Isso acontece em diversos momentos, entre eles quando é citado o lendário piano — supostamente tocado por Dom Pedro II, em 1878 — ou o quadro de Di Cavalcanti — por muito tempo exposto nas salas do grandioso prédio.
Essas são algumas das referências de O Incêndio, que desperta outras sensações à medida que apresenta um panorama geral do cotidiano da Rainha das Serras. O mesmo ocorre com as lembranças, especialmente dos anos 80, que influenciaram a formação pessoal e intelectual da personagem — e certamente do próprio autor.
Staut trata ainda a paixão pelos livros, citando incansavelmente escritores de relevância mundial lidos por tantas pessoas que percorreram as estantes da nossa biblioteca. E também a própria mudança no interior do protagonista, quando esse passa por um incêndio metafórico ao se descobrir homossexual, ainda na adolescência, e os sentimentos reacendidos na vida adulta — ao mesmo tempo que lida com o possível fechamento da biblioteca.
As memórias de Antônio se confundem com as de Alexandre Staut. Em alguns momentos isso quebra o ritmo da leitura, em especial nos capítulos que retratam as aulas na escola — Cardeal Leme, diga-se de passagem. Contudo, o ritmo é recuperado nos capítulos em nossa biblioteca, sendo esses um prato cheio para todo pinhalense amante dos livros. Tudo isso para mostrar como bibliotecas e sentimentos estão interligados, ideia reforçada no desfecho da história e quando o autor diz que “uma biblioteca é uma forma de se organizar o pensamento, e como o pensamento, ela muda”.