spoiler visualizarDaniBooks 16/03/2020
Rede de Sussurros
Na onda do movimento MeToo, a autora Chandler Baker nos traz uma história baseada em fatos reais.
Em uma empresa de roupas esportivas, a Truviv, acompanhamos a história de 3 mulheres que trabalham no departamento jurídico: Sloane, Grace e Ardie. Também conhecemos Rosalita, responsável pela limpeza.
O livro começa com o Diretor da Truviv morto e um nome sendo bastante cotado para assumir o cargo: Ames Garrett. O problema é que Ames é o típico macho sexista e assediador. Nossas 3 personagens pensam em uma forma de evitar que ele assuma a direção da empresa e veem em uma lista que está rodando secretamente pela Internet uma opção: a Lista de Homens Cilada. O nome de Ames é acrescentado a essa lista e uma tragédia acontece.
Eu tive alguns problemas sérios com esse livro. Não consegui me conectar com as personagens e, muitas vezes, me questionei se o problema estava em mim. Isso porque essa história é uma panfletagem feminista (não uso aqui o termo panfletagem no sentido pejorativo, apenas no sentido de divulgação, de defesa e apoio às questões feministas).
Refleti a respeito de tudo o que eu pensei sobre a história e cheguei à conclusão que o problema é do desenvolvimento e da construção da narrativa mesmo. E também da construção das personagens.
Sloane foi a personagem de que menos gostei, depois do Ames, claro. Casada e com uma filha que é uma personagem cativante, apesar de aparecer bem pouco, ela teve um caso com o Ames assim que entrou na empresa. E agora, com a chegada de Katherine, ela tenta alertar a moça sobre quem é esse homem de verdade, pois percebe que ele já entrou em ação. Eu não consegui ter nenhuma empatia com essa personagem. No momento em que ela relembra como o caso dela com Ames começou, a cena nos mostra uma mulher de 28 anos, noiva de quem veio a se tornar seu marido e pai de sua filha, que decide ter um caso com um cara casado porque queria uma aventura, já que iria se casar com um homem que iria depender dela financeiramente para o resto da vida. Quando ela esbarra com a mulher do Ames, sente muita culpa e vergonha, mas jamais sente isso em relação ao marido. No momento em que ela precisa revelar ao marido que teve um caso com Ames, ela conta de forma fria, como se estivesse dizendo que tinha ido comprar biscoito na esquina. É fútil, fria e arrogante. Ou seja, a empatia foi para o ralo.
Já Grace é uma mulher que está voltando da licença maternidade. Ela não consegue dormir direito, por causa da bebê, e isso a está deixando extremamente estressada. Falta de sono enlouquece qualquer um, realmente. Porém, a autora coloca essa personagem como representante das mulheres que cumprem dupla jornada de trabalho: como mães e nos seus empregos. Sabemos que a sobrecarga para as mulheres é absurda, o que não acontece com o sexo oposto. Mas aí a Grace é rica, anda com um carro top com ar condicionado, trabalha em uma grande empresa com toda a estrutura necessária e tem babá. Sinceramente, a única coisa que a aproxima de uma mulher sobrecarregada com filhos e empregos é a falta de sono. Inclusive, ela pode se dar o luxo de dizer para o marido que vai ficar no escritório até tarde e pagar uma diária de um hotel luxuoso para poder dormir e descansar.
A mesma personagem, Grace, sofre de depressão pós-parto. Porém, isso é trabalhado de forma tão imprecisa e leviana, que, durante boa parte da leitura, parece que a Grace é apenas uma mulher fútil e escrota, que não gosta de ser mãe porque, simplesmente, não se adaptou à filha.
A autora quis tratar de todos os temas caros ao feminismo, mas não conseguiu se aprofundar em nada. Em uma parte da história aparece a palavra dinheiro. Em momento algum, a questão de mulheres ganharem menos que os homens pelo mesmo trabalho aparece. Mas acho que a autora viu a palavra dinheiro, lembrou da questão e quis tocar no assunto de qualquer jeito. Qual foi a saída? Abrir parênteses. Ela abre parêntese, fala sobre isso de forma bizarra, termina dizendo que o que queremos é dinheiro e fecha o parêntese. Oi? O que queremos é ganhar a mesma quantia pelo mesmo trabalho. Dinheiro é bom e todo mundo quer e precisa. Porém, não é essa a bandeira a ser levantada.
A própria questão do assédio no ambiente de trabalho é mal explorada. O Ames é um personagem trabalhado superficialmente; ele pouco tem ação na história. Ele é mais citado por todas, comentado por todas, criticado por todas - com toda razão- , mas ele mesmo não tem muita participação efetiva na história. Na maioria das vezes, é alguém contando o que ele fez ou o que o viu fazer. Dessa forma, ele se torna um personagem meio vago, sem camadas. O leitor só sabe que ele é asqueroso, nojento, assediador e termos afins. Inclusive, no início nem dá para entender muito bem até que ponto ele assedia as mulheres recém-chegadas à empresa, de que forma ele faz isso. O leitor só tem a dimensão real de quem é Ames Garett no final.
E o final? Desculpa, mas assassinato não é questão de sororidade. Eu queria aquele homem preso, humilhado, com a imagem denegrida e com o orgulho pisoteado. A escolha do final foi bastante equivocada, na minha opinião.
Enfim, essa leitura foi um parto para mim, fiquei irritada em vários momentos. A autora quis surfar na onda feminista, mas não funcionou para mim. Não gostei de praticamente nada. As únicas personagens com quem consegui simpatizar foram a Ardie e a Rosalita. De resto, não curti a leitura não.