spoiler visualizarMalu 30/01/2012
A Montanha e o Rio
A princípio, mais uma obra abordando a Revolução Cultural da China. A Revolução, na verdade, serve de pano de fundo para um tema onde superstição, amor, ódio e vingança se entrelaçam e se confundem.
Shento, nascido nas montanhas, o filho que só descobre seu verdadeiro pai, uma grande referência militar do Presidente Mao, às vésperas de a aldeia ser destruída num ataque vietnamita, sem sobreviventes. É jogado num orfanato misto, onde sobrevivem os mais fortes, e aí conhece a menina que será o grande e único amor e obsessão de sua vida, Sumi. Por matar alguns meninos que abusavam das meninas, pra não morrer ou ser preso foge de lá, se atirando ao mar. A partir daí sobreviverá só, contando às vezes com a benevolência de algumas pessoas. Num momento de desespero, escreve ao General Long, agora ciente de ser seu pai, pedindo ajuda, mas recebe uma carta deste negando a paternidade. A partir daí, Shento só pensa em se vingar do pai e reencontrar Sumi.
Tan Long, nascido de uma família rica e poderosa,vive na capital moderna. Seu pai, braço direito de Mao e representante das forças militares, é obrigado a renunciar ao cargo num golpe armado pelo governo que ele põe no poder. O avô de Tan, banqueiro do Banco da China, é acusado de desvio de verbas e também é destituído da presidência deste, e junto todos os bens da família são desapropriados. Resta ao clã Long retornar para a aldeia de pescadores de seus antepassados, a Baía de Lu Ching. A astúcia dos Long revela o gosto pelos negócios e dinheiro e em pouco tempo retomam a fortuna confiscada em Beijing. Nesta vila, Tan conhece a mesma Sumi de Shento, que acreditava então que este estivesse morto, e ambos se destacam na escola comandada por um monge budista e diretor do partido comunista, Prof. Koon, que irá mudar a história de ambos, ao incentivá-los ao vestibular para a Universidade de Beijing (Pequim), e ambos recebem as maiores notas, Sumi vai cursar Letras e Tan a faculdade de Direito.
Política e a necessidade de se democratizar a China tomam conta de Tan, enquanto que no extremo oposto Shento era preparado na carreira militar para alcançar o posto de segurança do presidente chinês, posto ocupado anteriormente pelo seu pai, General Long.
Shento, no posto máximo militar da China, descobre o paradeiro de Sumi e esta, então às vésperas do casamento com Tan, entra em conflito interno, e reconhece amar os 2 irmãos.
Por conta do ódio ao pai e agora ao irmão por este roubar-lhe a sua razão de viver, Shento abre guerra contra Tan, perseguindo todos da família Long e aos que ela apoiavam. A ditadura retorna violentamente ao país, e Sumi e Tan são considerados contra-revolucionários. Tan foge, mas Sumi é torturada e encarcerada na Sibéria chinesa, juntamente com o filho reconhecido de Shento, concebido antes deste fugir do orfanato para sobreviver.
Se olharmos somente pelo tema, será mais um lugar-comum entre familiares legítimos e bastardos disputando o mesmo posto, mas a superstição passeia por boa parte do romance, especialmente nas mulheres do texto, Sumi e a mãe de Tan. Por vezes a importância do Feng Shui nas decisões militares e familiares é relembrada pela mãe de Tan e Sumi entende que foi gerada para destruir os que a amam, segundo declarações de uma vidente que a aborda logo após ficar órfãs de seus pais, perseguidos e mortos pela ditadura de Mao, quando esta tinha apenas 6 anos. Já quase no final do romance, Sumi pensa em sua irmã, Lily, que é citada apenas neste capítulo. Ponto negativo para o autor, que introduz um personagem desancorado da história.
Paralelamente, vão se apresentando os fatos que qualquer ditadura impõe em nome da ordem, como invenção de fatos que condenem um opositor, forjamento de provas concretas e até a prostituição em benefício da pátria. As mazelas dos erros da revolução propagada por Mao vão se aflorando com o entusiasmo de Tan em seus discursos inflamados contra o seu irmão e a forma como o governo chinês é conduzido.
No fundo, fica exatamente a impressão que todos os sobreviventes das ditaduras e quem dela se lembre têm a mesma história pra contar, pois os fatos, apesar de ocorrerem em países distantes e sem qualquer contato, são os mesmos!
Não esperem um livro marcante, este é apenas mais um dos inúmeros escritos após a abertura chinesa. E daí me vem à memória da enxurrada de livros que tivemos aqui na América do Sul, por conta das ditaduras militares que assolaram importantes nações de nosso continente!