spoiler visualizarGabrielle Naomi 20/03/2023
Resenha
?Não me abandone jamais? gira fundamentalmente em torno de três personagens ligados à uma escola dentro da Inglaterra. (Kathy, Tommy e Kate)
Toda a história é contada pela Kate, que inclusive tem a pretensão de fazer com que você participe da história.
Nessa história há 3 perspectivas que podem ser notadas!
1 - Você é cuidador
2 - Você é doador
3 - Há a possibilidade de você encontrar o seu possível (como se fosse sua influência. Como são clones, há a possibilidade de encontrarem alguém de onde saiu a célula que formou quem você é) - Ruth deixa escapar no livro que ela acha que essas células vem da escória - (presidiários, etc) - são resultados da clonaggem de alguém não tão favorecido pela sociedade ou de má indole ? e isso pode representar todo o futuro que poderiam ter tido
Terminada a segunda guerra mundial, começam a surgir inúmeros experimentos bioquímicos que conduzem a nossa capacidade que nos levam a possibilidade de criar clones. Esses clones têm a missão de funcionarem cono doadores de órgãos para outras pessoas. Os clones são espalhados por escolas específicas (quando ainda são crianças), são preparadas para serem cuidadoras em um primeiro momento, e depois, doadoras de órgãos (após crescerem) - vão crescendo de maneira saudável e feliz, até se tornarem cuidadores. (Cuidam daqueles que já fizeram a doação de algum órgão ou de vários, pois aqueles que doaram mais de 3 acabam ficando em estado vegetativo). O máximo de vezes que podem doar órgaos é 4, e depois, esses clones concluem (falecem).
Eu li esse livro para a UERJ, então eu fiz umas avaliações a mais.
PROBLEMA BIOLÓGICO
- Desafio que há de conseguir a partir de uma célula humana produzir um outro ser humano geneticamente idêntico (os problemas que o possível tem o clone também tem muito provavelmente)
- Os clones têm referência de maternagem e paternagem, todavia não são referências DE PAI e DE MÃE. Isso criará marcas, fissuras muito profundas no processo de formação desses indivíduos - uma lacuna a ser preenchida
PROBLEMA NAQUILO QUE HUMANIZA OS INDIVÍDUOS - ALMA, ESSÊNCIA ?Os clones têm ou não têm alma?? (pergunta feita no final do livro)
Como lidar com um ?ser humano? que foi criado para ser uma espécie de reserva de órgãos pra quem precisar?
Na história isso era visto como um fim natural dos clones, pois eram criados pra isso.
MORAL E ÉTICA
Quem são esses indivíduos que crescem como espécie de possibilidades de atender as demandas de outro? Eticamente é correto? Moralmente é Viável?
Crianças clonadas crescem em uma escola para que sejam cuidadoras de quem doa os órgãos, e doadoras na sequência. Mas a escola não é um presídio. A todo momento essas crianças que depois serão jovens, depois adultos cuidadores e enfim doadores de órgãos podem fugir (inclusive elas visitam outras cidades, têm contato com o mundo externo)
Mas porque eles não rompem com o destino que lhes foi imposto?! Por que não fogem!? Por que não dão um passo para guiar a própria vida ao invés de aceitar concluir desta maneira?
Pelo mesmo motivo que você ou qualquer outro ser humano na terra também não. Nós também estamos sendo criados para sermos cuidadores, doadores...também temos muitas expectativas de encontrar nossos possíveis. Todos nós na sociedade em que vivemos crescemos para ser cuidadores. Somos criados para atender demandas externas. A sociedade já está criada. Há cada vez mais pessoas com dificuldade de se expressar por exemplo; de dizer não. Você cresce para cuidar do pai, da mãe, dos irmãos. Cresce para ser cuidador das pessoas que te cercam. Eventualmente, acaba se tornando cuidador do ?mundo?. Abdica da própria existência para cuidar do planeta no qual vive e das pessoas que nele habitam. Se não, você é cuidador da empresa em que você trabalha. Você trabalha pra caramba, todos os dias, para atender as demandas de quem te emprega! Se tem seu próprio negócio, você trabalha para cuidar da sua empresa; do seu negócio, das empresas que fornecem para você os objetos de consumo que te fazem mais feliz. Você trabalha pra comprar roupas, relógios, itens de karatê, qualquer coisa...trabalha pra ser cuidador das empresas que atendem a sua demanda continuada de consumo para o ato de existir.
Todos nós, ao menos a maioria, fomos educados em escolas para sermos cuidadores. Uma vez que passamos a vida toda cuidando, seremos doadores. Doadores de tempo, de órgãos, de mão de obra, de conhecimento, do que quer que seja! Passamos a vida doando, nos entregando! Entregando tudo ou quase tudo o que temos. Estudamos para entregar conhecimento, enriquecemos para entregar o dinheiro, vivemos para entregar carinho, atenção. Vivemos para atender a demanda continuada; cíclica, de quem somos. Tudo isso em uma constante busca por seu possível. Todos nós buscamos as referências que fazem de nós quem somos. Nosso possível é aquele que dá a sensação de que seremos lançados pra outra dimensão (oportunidades, experiências, possibilidades). Tudo isso, quando o destino de todos nós é apenas morrer.
Cuidaremos, doaremos, e independentemente de termos achado ou não o nosso possível, de termos alcançado ou não nossos objetivos, morreremos.
Kathy, Ruth e Tommy são representantes de todos nós.
No escola; no livro, porque não fogem? Na universidade da vida, porque nós não fugimos?!
Nós aceitamos as demandas que nos foram impostas pelas ??instituições?? que nos construíram. (Pais, professores, mentores, programas, Rabino, países - nacionalidade -...
É a necessidade de crescermos para atender demandas que não são as nossas, ou talvez algumas até possam ser, mas todos iremos morrer. Você estuda pra caramba pra atender demandas. Você trabalha para atender demandas. A vida sempre será assim, cíclica. Ganha pouco, quer ganhar mais, ganha o bastante, mas não é o suficiente, tem uma namorada mas queria uma melhor, tem uma mãe e um pai, mas queria ter outros, tem um empreendimento mas ele poderia melhorar, tem um emprego, mas não gosta dele...a vida inteira basicamente se baseia em atender demandas até a morte. Até você concluir.
Inclusive é o mesmo problema que se vê em Niketche (PS: LIVRO CHATO DO CARAMBA)
As pessoas nascem e precisam se haver com o mundo que lhes foi oferecido. Aceitam ou não a condição de serem mulheres, aceitam a condição de ser do norte ou sul, aceitam ou não a condição que a tribo lhes colocou; que o povo do qual está fazendo parte lhes impôs. Ainda que não tenhamos sido clonados no sentido biológico, somos e fomos clonados no sentido cultural.
Copiamos nossos pais, pessoas acabam sempre nos influenciando, seja de maneira boa ou ruim. Muitas vezes reproduzimos as mesmas palavras, os mesmos argumentos, os mesmos costumes. Você vê as coisas à partir da religião que lhe foi imposta, mesmo não aceitando. Nós somos assim. Vemos as coisas à partir do que nos foi ?ofertado?, do que nos foi ensinado, embora saibamos de outras coisas, o subconsciente vê de acordo com o que lhe foi imposto desde de muito cedo, para você crescer e atender demandas. Tudo é revolucionário...mas sempre dentro do contexto em que fomos impostos. Somos clones culturais na tentativa de fazer algo diferente, mas que no fundo é a mesma coisa. Independente do que dizem, estamos só. Seguindo demandas. Cada um com sua percepção e seu mundo, porém sempre influenciado. Só existimos para o nosso próprio consolo. Somos reprodutores. Estamos submetidos a tudo isso.
A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE
Se estamos todos com a única certeza da vida, que é a morte, para que ter esperança?!
O final do livro nos dá uma esperança. Mas ma vida real, lembramos na mente e recordamos no coração. Só recordamos o que nos marca. O que é que nos sustenta como humanidade?!
O livro nos faz notar que nossa carreira aqui é finita. Não importa se você acredita que a vida continua em alma, espírito, se você morre e nasce em outra vida, sendo outra pessoa...a única real verdade é que essa vida é finita. O livro nos mostra e dá ênfase na finitude. Como já dizia Jobs, ?a morte é a maior invenção da vida?. A solidão.
No livro vemos a solidão como resultante da necessidade que temos de construir nosso próprio caminho dentro de um mundo para o qual fomos educados. Cada um de nós precisa acrescentar uma vírgula na história da vida todos os dias, as vezes colocar um ponto final e construir um novo parágrafo.
Então, seja Niketche, que precisou tomar muitas decisões considerando si para consigo mesma, ou a Kathy, que precisou tomar decisões de si para consigo mesma...essas decisões foram tomadas no silêncio de alguém que está só. Não é sobre ser bom ou ruim. É sobre ser. Você olha pra própria existência e decide guiá-la. Passando pelas provas da vida. Porque ninguém viverá sua vida por ti. Independentemente do pai, da mãe, de algum diagnóstico, independete da sua condição política, social ou econômica, étnica, cultural, orientaçã sexual, racial...independente de tudo, apenas uma pessoa pode viver no seu lugar. Você. A você, cabe a árdua tarefa de ser você. Embora necessite por conta da agenda de uma sociedade, atender demandas...ainda sim só quem guia tua própria vida é você, independentemente de tudo.
?Eu sou aquilo que consegui fazer de mim à partir do que tentaram fazer de mim?
Quando estiver perto de seus últimos dias, não será sobre o que fizeram contigo...é sobre o que você fez à partir do que tentaram fazer com você.
Não é sobre se a solidão é ruim ou boa...não é sobre um mundo que você decide o que é certo ou errado, mas sim sobre um mundo deveras complexo, que para toda ação haverá uma consequência, que você pode dar conta ou não, mas você precisará se haver com ela. É sobre fazer coisas que valham a pena para depois ter uma boa história. No final somos a resultante do que vivemos de forma significativa ou não. É sobre aproveitar cada instante como se fosse único, porque é, pois todo instante tem a possibilidade de ser o último. Como vemos no final do livro ?Não me abandone Jamais?...Kathy sustentando Ruth e tommy, cuidando de ambos...fazendo uma doação voluntária a cada segundo, em meio a tantas doações forçadas. Ela se doa, ela se entrega, para fazer com que eles vivam da melhor maneira posspivel nas circunstâncias em que se encontram.