spoiler visualizarJurúMontalvao 09/12/2023
Abandonar ou não abandonar?
Eis a questão que me fiz durante toda a leitura.
Faz tempo que não abandono um livro, então, uma pausa estratégica foi necessária para que a frustração da experiência com a obra não decidisse por mim.
Sei bem que sou a responsável pela maioria das leituras ruins que já tive, pois, em geral, eram livros de gêneros/nichos que não curto (como é o caso) ou de autorxs cujo estilo de escrita eu não me agrado (como foi aqui) ou, ainda, de conceito central/final com o qual não me identifico (o que também ocorreu).
Entretanto, mesmo batido, é sim interessante o desconhecido, o mistério que paira sobre a floresta e os povos amazônicos, ainda nos dias de hoje.
Isso fica mais intrigante quando combinado à complexidade do cérebro - a floresta mental humana - e de seus processos de aprendizagem e de desenvolvimento de inteligências, que, embora muito estudados, ainda não são totalmente compreendidos.
É durante a execução desse combo que os problemas surgem e se alastram porque a escrita não consegue sair do lugar comum, superficial, estereotipado e, portanto ou consequentemente, muitas vezes preconceituoso.
Por exemplo, o referencial indígena que é criado na obra é negativo e intencionalmente mal mesmo quando é a vítima. Há também a premissa de incompletude e inferioridade nas cenas em que se dá a comparação, mesmo que sutil, ao referencial "civilizado".
Outro problema é que todas as personagens femininas orbitam a(s) personagem(ns) masculina(s). É fato que o cuidar e o servir estão histórica e culturalmente associados à figura da mulher e, por isso, é realmente uma pena que Urânio Bonoldi tenha deixado passar aqui a oportunidade de transcender essa curva da trivialidade. E justamente diante de uma personagem que tinha tudo pronto para isso por, supostamente, não estar sob o açoite da "cultura dominante". Daí que minha surpresa foi zero quando Iaúna ocupa exatamente os únicos supostos possíveis lugares femininos que a obra permite (babá, mãe, amiga, fada madrinha, amante):
"(...) Venha, me possua. Eu busquei a juventude e a beleza para que você desfrute delas. Fiz tudo por você, somente para você? sou sua e de mais ninguém, nunca fui tocada, me guardei todos esses anos só para você."
Notei também que não há harmonia no tempo dos arcos, o que creio ter sido crucial para tornar minha leitura muitissíssimamente arrastada.
Entretanto, o ápice do meu desconforto foi a artificialidade dos diálogos. Quem, durante uma conversa com alguém íntimo, repete o nome da pessoa a cada frase que diz? Quanto mais intimidade, menos o interlocutor é nomeado porque já é conhecido e sua atenção já está garantida, bastando os pronomes. Economia linguística.
Bem, li, vi ou ouvi por aí que os diálogos são mesmo uma parte ardida da escrita. Então, fica o desconto, mas o desconforto me fez pular alguns muitos, confesso.
De positivo (e até uma recompensa pela persistência), achei o capítulo final interessante porque eu gosto de cliffhanger. Mas preciso dizer que a costura ficou a desejar, pois há muitos elementos novos pipocando em desespero. O autor poderia ter entrelaçado esses novos fios hábil e sutilmente ao longo da trama para, no final, apenas "puxar a cordinha". Bom, pelo menos para mim, é isso que faz um cliffhanger satisfatório.