Letícia 02/11/2020
"Meu único crime era ter nascido negro, ou ter nascido negro no Alabama."
“Você precisa saber que é responsável pela maneira como trata os outros, mas não é responsável pela maneira como os outros tratam você.” p. 78
Às vésperas da eleição presidencial americana, finalizei um dos melhores livros que já li na vida e que, sem dúvidas, entrou para a minha lista de favoritos. “O Sol Ainda Brilha” conta a história de Anthony Ray Hinton, um homem negro e pobre do Alabama que passou 30 anos no corredor da morte, condenado por assaltos e assassinatos que não cometeu. Quando finalmente foi inocentado, em 2015, Ray - como ele gosta de ser chamado - já havia passado mais tempo encarcerado do que como um homem livre (ele foi preso aos 29 anos).
Ainda que Ray tivesse como provar sua inocência, o racismo e a pobreza foram fatores determinantes para que ele ficasse preso por tanto tempo. Além disso, o Estado preferia mandá-lo para a morte do que admitir o erro no processo.
“O Alabama é meu lar. Eu adoro o Alabama – os dias quentes de verão e as tempestades no inverno. Adoro o cheiro do ar e o verde dos bosques. O Alabama sempre foi a terra de Deus para mim, e sempre será. Adoro o Alabama, mas não gosto do estado do Alabama. Desde a minha libertação, nenhum promotor , procurador-geral do estado, ou qualquer pessoa que tenha tido algo a ver com a minha condenação pediu desculpas. Duvido que o façam um dia.” p. 293
Ray conseguiu se manter firme graças à sua fé e ao amor de sua mãe e de seu melhor amigo Lester (que foi visitá-lo toda semana, sem exceção, durante os 30 anos) e também do apoio incondicional da mãe e da esposa de Lester.
Mais do que a história de Ray, O Sol Ainda Brilha é um livro sobre um sistema falho e racista e uma pena questionável. Historicamente, o sul dos Estados Unidos (onde está localizado o Alabama) tem a fama do racismo e do preconceito, baseados em modelos escravocratas e de segregação racial dos séculos passados. Foram sulistas que também fundaram a Ku Klux Klan, organização que pregava a supremacia branca e para a qual era inadmissível que os negros libertados após a Guerra Civil tivessem os mesmos direitos e ocupassem os mesmos espaços que os homens brancos.
“– Eu acho que as pessoas nunca deveriam se acostumar com a injustiça – eu disse.
– Então você sabe o que a gente tem que fazer, não sabe, Ray? Sabe o que você tem que fazer sempre?
– O quê?
– Você tem que lutar, Ray. Você tem que nunca parar de lutar.” p. 253
Bom, eu não preciso nem dizer o quanto a história de Anthony Ray Hinton me tocou. Ainda mais quando pensamos sobre o quão recente e presente é o racismo e sua herança, especialmente para países cuja escravidão moldou os rumos da história. Hoje, nos EUA, os negros são pouco mais de 12% da população total e quase 40% da população carcerária - que é a maior do mundo em números (fica a indicação do documentário “A 13º Emenda” sobre o assunto).
“Leia os nomes. Conheça suas histórias. Será que podemos julgar quem merece viver e quem merece morrer? Será que temos esse direito, e será que o temos quando sabemos que, com muita frequência, nos equivocamos? Se um de cada dez aviões caísse, iríamos interromper todos os voos até descobrir qual é o defeito. Nosso sistema é defeituoso, e é hora de colocarmos um fim à pena de morte.” p. 299
Ray lutou para provar sua inocência durante 30 anos enquanto esteve preso e hoje, livre, luta pelo fim da pena de morte nos Estados Unidos.