maria.e.sousa.7 29/04/2024
Denso e dramático
Charneca em Flor traz uma alma exposta, derramada, transbordante de sensibilidade, amor, paixão, tristeza, dor, anseios... Tudo com grande intensidade, sem reservas ou economia, como se ela se rasgasse inteira no processo de deixar fluir seus sentimentos na poesia!
Depressiva, neurótica, suicida, sua poesia “confessa” as profundas perturbações de um coração dilacerado; sentimo-nos “espionando” a alma da artista, como se nos fosse dado o privilégio de adentrar este coração e testemunhar a intensidade de tudo, do amor profundo, ao desespero, sofrimento, mágoa, solidão, perdas, desencantos... O resultado é uma obra densa, porém colorida, emotiva, erótica, intensa, dramática. Comovente. Derramada.
O próprio título Charneca em Flor já é metáfora: charneca, de acordo com um dicionário on-line, é “terreno árido e não cultivado onde só crescem plantas rasteiras e silvestres (estevas, fetos, giestas etc.); gândara”. Assim, a alma da artista é como a charneca: árida, não cultivada, talvez como todo o amor desperdiçado... mas mesmo em meio à aridez, a charneca floresce e se mostra na exuberância máxima que lhe é possível, como é retratado no poema que dá nome ao livro:
CHARNECA EM FLOR
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela foi figura fundamental na literatura portuguesa, além de ser uma mulher à frente do seu tempo, por ousar inserir o erotismo na poesia no início do século XX, usar roupas masculinas e ter mesmo a audácia de casar-se e separar-se. Três vezes! Apesar disso, se dizia conservadora e não se interessava por temas sociais ou políticos, como se as ricas tribulações da alma tomassem todos os espaços e ocupassem todo o tempo da vigília – o drama interno era tão intenso, que não sobrava energia para olhar para o que ocorria fora! Nesse sentido, seria talvez um tanto narcisista?
Apesar de ter vivido no período do Modernismo Português que começava a agitar a vida cultural de Lisboa, sua obra tem uma tônica (muito) romântica – alguns dizem mesmo que ela preferiu se “alhear” do Modernismo.
Reconheço o valor da sua obra e seu lugar na literatura portuguesa, mas confesso que achei alguns poemas muito melodramáticos. Não havia me interessado em particular por Florbela antes de o livro Charneca em Flor aparecer nas leituras de abril da SLV. O efeito para mim foi um pouco desigual: algumas poesias são primorosas e me tocaram profundamente; outras, porém, achei muito carregadas no melodrama. Tendo dito isso, admito que alguns poemas traduzem fidedignamente sentimentos e arroubos meus... alguns me lembraram muito minha versão adolescente apaixonada!
4/5
Livro extra de abril da SLV - sociedade dos Leitores Vivos