Carla.Parreira 29/03/2024
A Casa da beleza (Melba Escobar). É um livro que se passa em um estabelecimento frequentado pela elite de Bogotá, onde são oferecidos diversos serviços e onde trabalham as melhores funcionárias. A história se concentra em Karen, uma jovem que aceita o emprego para juntar dinheiro e buscar uma vida melhor. Além de desempenhar seu trabalho, Karen também atua como confidente, ouvindo as confissões e dialogando com as clientes. No entanto, tudo muda quando Karen atende uma adolescente cheia de planos e incertezas, que acaba se tornando vítima de um crime. Karen é a última pessoa a vê-la viva, o que a coloca no centro da investigação. A narrativa é principalmente contada por Claire, uma cliente da Casa, que se interessa por Karen. Além disso, o livro apresenta pontos de vista de outras mulheres envolvidas na trama, alternando entre relatos passados e presentes. O enredo aborda as dificuldades enfrentadas por Karen, sua constante sensação de impotência e suas angústias. O livro retrata uma sociedade marcada pela violência, desigualdade, corrupção, criminalidade e abuso de poder, além de questionar os papéis de gênero e os padrões de beleza. A história revela como o dinheiro e a influência podem manipular o sistema, deixando claro que, quando os envolvidos são poderosos, a solução do crime pode ser difícil de alcançar. O final do livro é impactante e triste, mas ao mesmo tempo real e intenso. Ele nos faz refletir sobre a realidade em que vivemos, onde muitas vezes a justiça é falha diante do poder e da influência. O livro expõe as feridas da sociedade e nos faz questionar o mundo em que vivemos.
Melhores trechos: "...Desde bem novinhas, as negras e as mestiças alisam o cabelo com uma chapinha, com creme, com secador, com comprimidos mastigáveis, fazem touca, usam máscaras capilares, dormem com meias-calças na cabeça, usam um selador de pontas de silicone. Ter o cabelo liso é tão importante quanto usar um sutiã, é parte imprescindível da feminilidade, e é preciso fazer qualquer coisa, ter coragem, encher o cabelo de grampos e estar disposta a suportar puxões de cabelo e passar horas nessa função cara e incômoda, mas também necessária se o objetivo é conseguir o liso perfeito... A Casa da Beleza fica localizada na Zona Rosa. O prédio branco, por fora, sugere um ar de limpeza e sobriedade, mistura de clínica odontológica e butique de moda. Ao atravessar suas portas de vidro, a pessoa está no meio de uma terra de mulheres. A recepcionista, atrás do balcão, cumprimenta com seu melhor sorriso. Várias assistentes uniformizadas, maquiadas, penteadas e sorridentes oferecem cremes, perfumes, sombras e máscaras das melhores marcas na loja que fica no térreo. As pilhas de revista se amontoam na mesinha de centro da sala de espera... Karen guardava as gorjetas debaixo do colchão em casa, onde já tinha reunido mais de um milhão de pesos... Karen sabia, a mãe já tinha dito, que sua maior desgraça foi parir uma menina, porque 'os machos fazem o que dá vontade, por outro lado as meninas são obrigação nossa'. Tinha treze anos quando a escutou dizer isso, Karen recorda. Desde então se perguntava, cada vez que conhecia uma mulher, se realmente fazia o que queria ou se era por obrigação. Perguntava-se, também, se era obrigação da sua mãe cuidar do tio ou se era uma cruz que ela tinha escolhido carregar. Não imaginava o que a mãe faria se não tivesse tantas razões para se queixar. Sua mãe era a personificação de uma forma de infelicidade — era a infelicidade tal qual... Sua mãe costumava dizer que tinha faltado uma 'fervida' a mais em Karen. Como quando o arroz fica um pouco duro, ou o espaguete, algo assim, 'talvez porque você saiu da panela antes de estar bem cozida', dizia dona Yolanda, 'talvez tenha sido por isso que você saiu seca, com alma andina'... Só em Cartagena, mais de dez pessoas mortas aparecem como associadas, sem contar os cerca de três mil pacientes clonados… O relatório explica que essas entidades prestadoras de serviços criam e clonam os pacientes, colocam no sistema os que já morreram e fazem receitas de medicamentos que ninguém pede para ficarem com o reembolso do Estado... Assim como as mulheres que vêm aqui: a cada duas semanas, depilação; a cada oito dias, unha; a cada mês, limpeza de pele; a cada três semanas, cílios postiços. E isso sem contar os tratamentos estéticos, a depilação a laser, o botox, enfim, tanta coisa que existe hoje. Eu, de todos os tratamentos, não deixo nunca de fazer a depilação e o alisamento. O alisamento é uma loucura não apenas porque dói, mas também porque fede a ovo podre. Os olhos ardem. Em Cartagena sabem disso. Passam a prancha, enrolam, fazem touca e, de novo, domam os cachos mais selvagens... Acho que é pior ser negra, e não resisto a ser chamada assim, apenas por pessoas que eu sei que realmente me amam e dizem isso com carinho. Na sua opinião eu tenho a aparência de uma negra, dona Claire? Acho que sou mais ou menos da mesma cor do presidente Obama, mas com traços de branca e cabelo de negra. Meu cabelo tem sido uma cruz... Eu, sinceramente, não gosto de cabelo crespo. Fazer o quê? No meu bairro tinha uma negrinha bonita, que deixou o penteado afro. Você pensa que ela conseguiu trabalho? Era muito bonita e estudiosa, mas ninguém queria aquela desordem no escritório, no local de trabalho, na loja e, menos ainda, no seu salão de beleza. Você já viu uma juba afro selvagem e bem crescida? É como um ciclone, um tsunâmi. Mamãe via a moça passar e dizia: 'Vou cortar o seu cabelo um dia desses, quando você estiver dormindo, e vou fazer um travesseiro para mim'. Eu soltava uma risada. A menina estudava numa faculdade diferente. Sociologia, acho. Ela gostava de juntar pessoas, como fazia Nixon, e falar do orgulho e dos ancestrais e de qualquer coisa, e numa dessas reuniões uma senhora que lavava roupa parou e disse: 'E tanto orgulho e essa 🤬 #$%!& toda serviram para você conseguir trabalho?'. Os outros soltaram uma gargalhada. Mas dava pena da garota, porque alguma razão ela tinha, não devemos discriminar os outros por causa do cabelo, isso eu entendo, mas também entendo que um penteado afro não fica bem num escritório... Talvez porque a visse com certa condescendência, com pena ou com a culpa que sentimos quando temos tudo na vida. Não era mais que uma vítima da minha suposta superioridade. Tinha me sentido lisonjeada por ser a confidente de uma beleza do campo, de aparência humilde e reservada. Meu ego tinha me levado a continuar escutando-a, a procurá-la e a oferecer minha ajuda, sem chegar a perceber que estava sendo manipulada. Minha suposta função como psicanalista era subir o véu dos meus pacientes, esse que todos vamos construindo dentro de nós mesmos em relação ao mundo que nos rodeia. As deformações de realidade nos permitem uma proteção do sofrimento, mas ao mesmo tempo tapam nossos olhos. Minha intuição deixou de ser confiável... Primeiro não acreditaram em mim. Depois começaram a fazer apostas de quem seria a próxima a morrer. Desde que estou aqui, uma mulher morreu. Dizem que são mais ou menos duas por ano. Talvez essa seja uma outra maneira de medir o tempo..."