Alê | @alexandrejjr 07/08/2022
A intelectual da versatilidade
Se tem uma verdade incontestável dentro das letras estadunidenses, talvez essa verdade seja esta: Susan Sontag foi a maior ensaísta cultural que os Estados Unidos tiveram no século XX.
Este “Questão de ênfase”, lançado originalmente em 2001, tem apenas três anos de distância para a sofrida morte por câncer de Sontag. Carrega, também, a dolorosa marca temporal de ser o último livro que reúne ensaios escolhidos pela autora. Se por um lado este é o livro menos marcante da verve contestadora mais inspirada de Sontag, que tem em sua obra os incontornáveis “Contra a interpretação” (1966) e “Sob o signo de Saturno” (1980), “Questão de ênfase” talvez seja o mais plural da provocadora ensaísta, aquele que contém os textos mais acessíveis tanto para estadunidenses quanto para estrangeiros.
Dividido didaticamente em três seções (“Ler”, “Ver” e “Lá e aqui”), este é um livro que mostra a versatilidade intelectual de Sontag. Na primeira seção, por exemplo, ela explora em ensaios apaixonados a grandeza de Machado de Assis, a relevância de Roland Barthes (em um dos textos mais desafiadores que já li) ou, ainda, as particularidades do romance “Pedro Páramo”, do lendário escritor mexicano Juan Rulfo, e fecha com uma conversa epistolar imaginária com Jorge Luis Borges, escrita em ocasião ao décimo aniversário da morte do maior escritor argentino que se tem notícia.
Na segunda seção, “Ver”, Sontag vai abordar as mais variadas possibilidades do olhar: artes cênicas, artes plásticas, cinema, dança contemporânea e fotografia. É nesta seção que nos deparamos com uma sofisticada análise do filme/minissérie “Berlin Alexanderplatz”, obra dirigida por Rainer Werner Fassbinder e baseada no romance homônimo de Alfred Döblin; aprendemos as peculiaridades do Bunraku, uma das quatro formas do teatro clássico japonês, que utiliza fantoches operados por três pessoas; descobrimos as camadas para além do superficial nas obras abstratas do pintor britânico Howard Hodgkin (cuja obra “Céu indiano” dá vida à capa da primeira edição deste livro); e refletimos sobre o valor da fotografia através de cinco ensaios, com destaque para as confissões íntimas da autora contidas em “Certos Mapplethorpes” sobre o polêmico e vanguardista Robert Mapplethorpe, personagem central do livro “Só garotos” de Patti Smith.
Se é verdade que a última seção talvez seja a mais fraca deste livro, Sontag mostra que até em sua fraqueza ela é indispensável. Textos como “Respostas a um questionário” e o clássico “Esperando Godot em Sarajevo" - este último um relato pormenorizado da sua experiência em dirigir a famosa peça de Samuel Beckett em plena Guerra da Bósnia, num ato de demonstrar sua crença na arte e nos direitos humanos - reforçam o impulso ético e estético de Sontag enquanto notória intelectual pública.
Susan Sontag foi uma pensadora importante no campo das Artes. Somente essa razão já bastaria para conhecer sua obra. Mas aqui vai mais uma: se a leitura de “Questão de ênfase” não for agradável, ao menos você jamais voltará a ser o mesmo depois da leitura. E isso, a possibilidade de evoluir, de agregar conhecimento, não se nega, certo?