spoiler visualizarmarina.conte.02 02/03/2023
"Era uma vez um pequeno melro-negro, empurrado para fora do ninho, indesejado. Descartado. Então um falcão o encontrou e levou para longe, deu a ele um lar e o ensinou a voar."
Não é a minha primeira experiência com a autora, li “Beleza perdida” há uns três anos e nunca me esqueci da história, tenho certeza que o mesmo acontecerá com esse livro.
Ao ler a sinopse, Simplesmente Blue se parece com qualquer outro romance clichê já visto e os primeiros capítulos não nos demovem dessa ideia. A protagonista, Blue, embora nativa-americana, tem olhos incrivelmente azuis e uma beleza fora do comum, já o mocinho da história, Sr. Wilson, é um professor britânico, extremamente atraente e absurdamente jovem com uma vibe meio nerd, embora apresente uma atitude bem confiante. O fato desse gênero - quase sempre- atribuir aos personagens principais características físicas padrões dificulta a identificação por parte do leitor, em minha opinião.
Os estereótipos também seguem os personagens secundários, os irmãos mexicanos vizinhos de Blue, Manny e Graciela, caracterizam o que eu detesto na cultura norte-americana, a maneira como retratam os latinos. Basta misturar diálogos irreais somando a palavra “chica” com uma atitude exageradamente expansiva e pronto, os personagens acabam só dando uma pincelada de diversidade, bem equivocada, e não possuem profundidade alguma, como seria o caso do Manny, se melhor explorado.
Mas não para por aí, eu mencionei que o primeiro nome do professor é Darcy? Um britânico chamado Darcy, será que eu li isso em algum lugar? Acrescenta-se o fato de que o mocinho é um verdadeiro cavalheiro disposto a resgatar a donzela. Por favor, ele carrega lenços de tecido! Se adicionar um chapéu e um cavalo ao seu look, esse livro poderia tranquilamente ser sobre viajantes do tempo.
Contudo, é compreensível essa representação, levando em consideração que talvez a autora não tenha tido o contato necessário com essas culturas ou TALVEZ direcionou a escrita a um público que compartilha dessa visão, considerando que muitas produções se prendem a esse tipo de preconcepção.
O mesmo não se pode falar sobre à descendência indígena da protagonista. Poderiam ter feito ela ser 100% nativa americana? Sim. Em algum momento ela desonra suas origens? Nunca. Essa é a beleza de Blue, durante o cenário principal da primeira parte do livro, que são as aulas do Sr. Wilson, cada parte da história do mundo contado por ele remete a flashbacks sobre o passado de Blue, em que ela foi criada por Jimmy, um nativo americano admirador de pássaros, pouco falante, mas que a ensinou o seu maior talento – entalhar madeira.
Ficamos sedentos por informações sobre a infância e adolescência da personagem e admirados pela profundidade nas suas descrições sobre a própria história, as analogias que ela emprega dão um sentido poético aos dramas vividos e fazem com que o leitor sinta todas as suas emoções. Além disso, a história é rica em lendas indígenas que se misturam com o passado cheio de lacunas da personagem e os seus dilemas atuais.
"Era uma vez um pequeno melro-negro, empurrado para fora do ninho, indesejado. Descartado. Então um falcão o encontrou e levou para longe, deu a ele um lar e o ensinou a voar."
Engana-se quem acredita que esse livro é sobre um romance entre dois jovens atraentes, isso é secundário, o foco da história é como uma menina de dezenove (ou vinte) anos, que se auto intitulava a 🤬 #$%!& cruel do colégio, descobriu sua própria identidade e se mostrou um ser humano com o talento de criar obras que retratam sua própria vida.
E esse é o ponto de virada que me fez ficar fascinada com a história: a parte que Blue define como sua redenção. Entendendo que uma menina de dezenove anos tenha alguns entendimentos um pouco equivocados sobre a importância de suas atitudes perante o mundo, eu apreciei a consecutiva descoberta de sua resiliência e vulnerabilidade.
"- Deus? Sou feia por dentro. E não é minha culpa. Você sabe que não. Assumo a responsabilidade por parte disso, mas você tem que ficar com a sua parte também. Ninguém me salvou. Ninguém deu a mínima. Ninguém veio me resgatar . - Engoli a dor que fechava minha garganta, tornando doloroso o ato de engolir, mas era uma dor que eu engolia havia muito tempo, então eu a empurrei para baixo. - E agora pergunto: Pode levar isso embora? Pode tirar de mim essa feiura?"
Por fim, vale destacar que nem tudo é levado a sério, Blue é extremamente cínica e sagaz o que dá um tom cômico aos diálogos bate-volta entre ela e Wilson trazendo leveza ao enredo. Ambos sustentariam o livro sozinhos, mas quanto mais conhecemos os personagens ao longo da trama, mais credibilidade tem esta. É mais fácil acreditar na maneira em que o amor deles se desenvolve através de uma bela amizade do que na atração, banalizada por muitas obras, entre uma aluna de ensino médio e seu professor.