z..... 04/05/2016
Muito talento e perspicácia para transformar histórias aparentemente banais e corriqueiras em textos atrativos e reflexivos, mesmo sem algo extraordinário no andamento ou qualquer apelo didático explícito. O livro tem essa caracterização, onde a exposição dos fatos se dá com informalidade similar à descrições orais no popular. Uma conversação, tendo vícios de linguagem e entusiasmo nos palavrões e expressões não existentes no rigor acadêmico. Pontos de destaque na brasilidade modernista assumida por Mário de Andrade.
Essa fidelidade com a realidade coloquial é um dos atrativos ao leitor. Tiro por mim, ao lembrar do texto introdutório que quase me fez desistir da obra. Explico. O livro foi organizado por uma estudiosa do autor e, no primeiro momento, tece considerações justificáveis às suas pesquisas. Obviamente importantes, mas com uma formalidade acadêmica que li com enfado e preguiça de descobertas. Chegando-se aos contos, a coisa muda de figura e as histórias vão conquistando pelo reconhecimento que o Mário faz soar. Onde que já li uma ênfase tão bem expressa como na palavra "derrepentemente", que o Mário acrescentou na narrativa de "O Besouro e a Rosa"? Vês o diferencial de conquista ao leitor? Pelo menos em minha aprazível identificação.
Somando algo mais do livro, está dividido em duas partes, justificáveis às boas e comuns loucuras dos autores de assumir outra identidade. No caso, Belazarte, que em uma parte é o narrador e em outra alguém citado por outro narrador como a pessoa que contou essa história. Parece uma teia de fofocas e o Mário talvez tenha objetivado o retrato disso, que é cotidiano e foi modernista em seu tempo.
São treze os contos. Histórias que variam entre o trágico, banal, humor inusitado, realidade obscura e cotidiana, de alguma forma impactantes.
"O ladrão" é inusitadamente cômico; "Nelson" chama a atenção para a rejeição, solidão e fofocas ao diferente; "Foi sonho" nos faz pensar em estabelecimentos conservadores na sociedade (como se fossem obrigação); "O peru de Natal" me fez pensar na repressão e libertação; "Piá não sofre? Sofre" retrata o descaso com os menos favorecidos; e outros seguem essa linha de retrato que provoca a reflexão ou chama atenção para uma determinada realidade. O que se espera minimamente a todo leitor.
Escolhendo dois para que fique em minha memória do livro: "O poço" foi o que mais gostei e me impressionei, com o retrato da arrogância que o dinheiro é capaz de gerar, e "O besouro e a Rosa", por ser talvez o mais famoso e até então o único que conhecia. Espaço para minhas nóias de associação com memória afetivas. Conheci esse conto nos anos 90 através de um especial da Globo protagonizado pela Carla Marins como a Rosa, no melhor estilo ninfeta inocente sedenta de descobertas e encontros como o conto evoca. Não deu para esquecer, né!
Leia e tenha suas conclusões.