Lia 13/09/2022
Uma autobiografia sincera, mas maçante
"Mas deixa ela ir embora. Pode ser que uma palavra estrague tudo."
Esse livro é uma verdadeira prova de que palavras podem, sim, estragar tudo.
Embora seja ambientado durante a ditadura, esse livro não fala muito sobre ela. A autobiografia de Marcelo Rubens Paiva descreve a trajetória de recuperação do autor após este sofrer um acidente que o deixa tetraplégico.
Um jovem inconsequente, superficial, impulsivo e infantil: assim podemos defini-lo. Além de tudo, como a grande maioria dos homens brancos e privilegiados de sua época, ele ocasionalmente utiliza expressões racistas e machistas, fato que me deixou enfurecida. A única coisa que tenho a elogiar nesse livro é a forma que Paiva demonstra tudo isso tão claramente. Ele não se esconde, não se justifica, mas também não se explica.
Outra coisa que me desagradou foi a escrita. Essa narrativa cheia de gírias e extremamente informal me pareceu forçada, mas isso pode ser só uma preferência minha. Foi um sacrifício ter que ler os inúmeros BIIIIN e palavras estrangeiras. Além disso, a alternância entre passado e presente me deixou um pouco confusa.
"Justiça nesse país é uma palavra sem muita importância."
Essa frase define bastante toda a situação política da época. Em pleno regime militar, era comum o desaparecimento repentino de inúmeras pessoas acusadas de qualquer tipo de crime que fosse conveniente às autoridades. E assim aconteceu com o pai do autor, o político Rubens Paiva, que foi levado de sua casa por militares em 1971 e, de maneira oculta, foi torturado até a morte.
Imaginei que esse evento tão traumático na vida de Marcelo fosse tomar um lugar central em Feliz Ano Velho, mas me enganei. No lugar, o autor prefere falar sobre suas vivências supérfluas da juventude, chegando até a narrar cenas de sexo que, mesmo sendo bem escritas (confesso), não se encaixam nas expectativas que eu tinha para esse livro.
"As potências ficam brincando com a humanidade que nem uma disputinha de gato e rato por um teco de queijo."
No fim, Feliz Ano Velho fala, em resumo, da reação do autor e de seus amigos e familiares ao acontecido e sua rotina no hospital e em casa. O personagem expressa constantemente suas relações com mulheres, com música e sobre os novos planos para o futuro.
Com uma escrita exageradamente "cool", um personagem principal enervante e ocasionais momentos profundos de reflexão, Marcelo Rubens Paiva demonstra com fidelidade o círculo social em que vivia nos anos 80.
Finalizo essa resenha deixando claro que, após descobrir que hoje, Marcelo possui uma mentalidade MUITO diferente, ficou agradecida por ter presenciado, através de seu livro, que muitas pessoas podem, sim, mudar para a melhor.