Rute.Lessa 01/06/2024
Impotência e deseperança do homem moderno
George Orwell escreveu "1984" em um contexto de monotonia, escassez e burocracia na Grã-Bretanha pós-Segunda Guerra Mundial, refletindo também os medos do totalitarismo que assombravam o Ocidente devido às recentes experiências com a Alemanha nazista, a União Soviética e a China. O romance imagina um futuro aterrador em 1984, onde uma superpotência chamada Oceania é governada pelo Partido e seu líder, O Grande Irmão (Big Brother), que impõe uma obediência absoluta em ações e pensamentos. A narrativa segue Winston Smith, um funcionário do Partido Externo que trabalha no Ministério da Verdade, onde falsifica registros históricos. O romance destaca a capacidade do estado de distorcer a realidade, mostrando um sistema onde a hipocrisia ideológica e a manipulação psicológica são a norma. Orwell mostra-se preocupado após ter testemunhado tantas guerras e desgraças da humanidade. Ele viu como ideais e teorias podem ser pisoteados e descartados conforme o momento, destacando uma discussão antiga, mas ainda atual.
Winston começa a escrever em um diário, iniciando nossa história com um crime em 1984, onde a realidade é manipulada pelo Estado. As teletelas estão em todos os lugares, e o Grande Irmão dita tudo. Ao longo da narrativa, conhecemos o mundo em que vive, dividido em castas, similar a "O Conto da Aia". As castas são: Partido Interno, com roupas pretas; Partido Externo, com roupas azuis; e os Proletas, sem instrução e embrutecidos pelo trabalho diário, semelhantes aos "Sansão" em "A Revolução dos Bichos".
Não existe privacidade, um paralelo com os dias atuais, onde nossos celulares estão sempre ativos. Em 1984, a privacidade é roubada pelas teletelas, com punições pelo pensamento-crime e o duplipensamento. Quem desagrada o Grande Irmão torna-se uma despessoa, eliminada pelo Estado, desaparecendo da existência à medida que a verdade é constantemente modificada, nunca sendo permanente ou imutável e observando ao nosso redor, fazendo-nos questionar nosso conceito de liberdade.
A linguagem é uma ferramenta de manipulação das massas, é usada para controlar o povo, com corrupção, manipulação das emoções populares e falsificação da verdade. O abandono do socialismo em favor de um projeto de poder fascista reflete o totalitarismo de Stalin, mostrando que a essência do comportamento humano, com o desejo de poder absoluto, permanece a mesma. A Novafala é a única língua que não ganha novas palavras ao longo do tempo, pelo contrário, diminui para que o pensamento seja suprimido ou distorcido com a linguagem. As pessoas tornam-se menos inteligentes, incapazes de expressar o que pensam por não ter palavras para tal. Uma linguagem empobrecida leva à lealdade cega ao partido, sem a possibilidade de pensar o contrário. A memória é apagada, e 2+2=5. Como Winston escreve: "A essa altura não sabemos absolutamente nada sobre a Revolução e os anos que a antecedem. Todos os registros foram destruídos ou falsificados, todos os livros foram reescritos, todos os quadros foram repintados, todas as estátuas, todas as ruas, todos os edifícios foram renomeados, todas as datas foram alteradas. E o processo continua dia a dia, minuto a minuto. A história se interrompeu. Nada existe além de um presente interminável no qual o Partido sempre tem razão. Eu sei, naturalmente, que o passado foi falsificado, mas eu jamais teria condições de provar esse fato, mesmo que tenha sido eu mesmo o autor da falsificação. Depois que a coisa está feita, nunca resta nenhuma prova. A única prova está dentro da minha cabeça, e não tenho nenhuma certeza de que outro ser humano partir de minhas lembranças (p. 185)."
Eufemismos são usados para minimizar o caos em 1984. Isso preocupa, pois embora distópico, vivemos com a geração TikTok, que pesquisa tudo por inteligência artificial e pode não reconhecer a escravidão por figuras de linguagem, muitas vezes sem a vontade de investigar. É como se assistíssemos em tempo real 1984 acontecer, com uma geração preguiçosa diante de tanta tecnologia. O livro não é uma profecia... será?
(Próximas leituras: os dois livros pertencentes a trilogia "utopias negativas", Nós, de Zamyatin, e Admirável Mundo novo, de Aldous Huxley.)