Ser Terapeuta

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Resenhas - Ser Terapeuta


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Júlia 16/01/2020

O que passa na cabeça de um terapeuta?
O livro é composto por depoimentos de terapeutas que seguem as seguintes linhas teóricas: gestalt-terapia, psicanálise, teoria junguiana, e há também terapeutas não-alinhados. Acho que sua leitura cabe para aqueles que fazem terapia e gostariam de entender melhor o que passa na cabeça do psicólogo, qual a experiência dele ao atender alguém; e, é claro, para os próprios terapeutas ou estudantes de psicologia, os últimos a quem os organizadores recomendam a obra.
Como fiz a leitura em um momento em que estou no início da formação de psicologia, creio que compreenderei muitas nuances do que foi dito só no futuro. Mas creio que ainda assim a leitura trouxe-me contribuições, especialmente para a desidealização da figura do terapeuta, e é nessas contribuições que irei focar minha resenha, além de trazer trechos que me produziram particular impacto.
Confesso que existem momentos em que a leitura é pesada, em que o entrevistador e o entrevistado ficam por várias páginas presos a preciosismos, questões mais ligadas a linguagem ou detalhes, e não tão detidos em aspectos interessantes da experiência de ser psicólogo. Mas a leitura vale a pena quando se pode perceber o apaixonamento da maioria dos terapeutas entrevistados pelo que fazem, e sua visão peculiar da profissão. Percebi ao longo da leitura que a forma como se colocam diante do paciente e de si próprios nessa atividade pode ser muito peculiar. Alguns assumem a postura médica, atuando com o objetivo de curar, enquanto outros visam a análise e o desenvolvimento do autoconhecimento do paciente.
Além disso, há riscos e perigos nessa profissão, especialmente de se envolver demais nos problemas do paciente, ou de ficar dependente deste. Esses riscos são bem explorados, assim como as inseguranças, limitações, frustrações da profissão. Para o paciente, o psicólogo aparenta muitas vezes possuir todas as respostas; porém, conforme os depoimentos trazem, esses também são cheios de dúvidas, incluindo sobre sua atuação profissional e seus resultados.
Abaixo, cito algumas das citações que mais me tocaram durante a leitura:


Para mim, é recente a descoberta que ser terapeuta é um privilégio. Privilégio em diferentes sentidos. Primeiro: as pessoas me procuram para compartilhar comigo o que elas possuem de mais precioso e raro: suas experiências, dúvidas, contradições, segredos, enfim, suas criações de beleza e horror. Segundo: eu admirava, com boa dose de inveja, os artistas que vivem de sua arte, até perceber que esta é a minha realidade e que minha arte é “tocar” as pessoas. “Tocar” pela palavra, gesto, afeto, expressão, olhar, movimentos etc., nos seus pontos sensíveis, adormecidos, cristalizados, encantados. Eu consigo “tocar” quando fui ou estou sendo tocado por essa mesma pessoa. Terceiro: o privilégio de viver a minha ignorância, perplexidade, fascínio e curiosidade junto do ser humano. É frequente o comentário de pessoas e clientes de que deve ser difícil passar o dia ouvindo problemas. Eu ouço problemas e, mais do que isso, eu acompanho, observo, presto atenção em obras de arte. Obras únicas, vivas, em mudança, lutando com suas raridades, originalidades. Isto de ficar cansado e cheio de ouvir problemas só acontece quando não consigo me afinar com a pessoa e, para aliviar minha angústia e incapacidade, reduzo essa pessoa a um “caso” ou “quadro psicológico”. Quando isto acontece, fico procurando explicações teóricas para manipular essa pessoa e apresentar serviço. Quando, em vez de concerto, quero fazer um conserto.
(...)
Eu acho que somos os descendentes modificados, ou melhor, adequados à nossa época, dos feiticeiros, bruxos, curandeiros e conselheiros. Perdemos uma porção das habilidades dos nossos antepassados e ganhamos outras, próprias para esse tempo tecnológico. (Abel Marcos Guedes)

Sei por experiência que são as nossas feridas que nos conduzem à análise. Foi assim para mim, como para todo mundo, a começar por aqueles que querem escapar disso, fazendo da análise uma “chamada” análise didática. Normalmente é pelo sofrimento que nosso verdadeiro rosto se revela. As nossas feridas favorecem a abertura, pelo menos quando encontramos um lugar adequado para que essa abertura se faça. São os nossos sofrimentos que nos permitem desenvolver-nos e humanizar-nos. Ser analista é tentar reintroduzir a alma, o amor, o sentido no meio de nossos sofrimentos. No nosso contexto histórico-cultural, a alma foi reprimida. O lugar onde foi redescoberta foi na situação psicoterapêutica. Então, sim, nesta situação, em geral posso me sentir mais vivo, mais presente, me sentir existir.
(...)
Depois de vinte anos de vida profissional, o ser humano permanece um mistério, assim como o encontro entre duas pessoas é um mistério ainda maior, o mistério do Amor. E cada novo encontro me faz relembrar isso de alguma maneira.
(...)
De maneira misteriosa, cada terapeuta, pelo que é, atrai certo tipo de pessoas. E cada terapeuta, pela sua própria personalidade, tem a sua própria sombra. A riqueza da psicoterapia moderna está no fato de haver diferentes escolas e personalidades tão diversas entre os terapeutas.
A análise é uma colocação na prática de um mito, mas também é um ritual. O fato de ter adquirido progressivamente consciência destas coisas me permite respeitar mais o mito individual de cada pessoa que me consulta. E chego pouco a pouco a conceber cada sessão como tendo o seu valor em si. (Leon Bonaventura)

Para quem está fora da relação. Se nós imaginarmos um observador, ele poderá achar que se trata de conversa de louco, porque ele está fora do campo emocional que se estabeleceu ali entre os dois. A sensação de loucura seria pela ausência de captação de significado. Mas para a dupla é o campo relacional que confere o significado e não as coisas que são ditas. Por exemplo, você vê os namorados no jardim olhando a lua e trocando beijinhos. Para o observador externo aquilo pode ser a coisa mais ridícula do mundo. E, no entanto, está impregnada de significado. Ou então, por exemplo, uma pessoa rezando; para alguém que não tenha a noção da experiência religiosa, aquilo pode parecer extremamente vazio e ridículo, quando pode estar, ao contrário, pleno de emoções. Porque o significado é alcançado por quem está dentro. É por isso que nosso trabalho nunca dá para ser reproduzido posteriormente. (Odilon de Mello Franco)
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Bruno 19/04/2013

Excelente livro. Aborda diferentes linhas teóricas que a Psicologia passou ao longo de sua emergência no campo científico até hoje. Recomendo muito pra quem pretende especializar em clínica !!!
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