Tuca 29/12/2019O primeiro romance escrito por Charlotte Brontë, O Professor, só foi publicado após a sua morte e assim como suas outras obras abriga traços autobiográficos (nos anos em que Charlotte Brontë esteve em um internato em Bruxelas ela desenvolveu uma paixão por um professor casado, Constantin Héger). William Crimsworth era um jovem órfão que querendo fugir de um destino do qual ele não seria dono decide escapar das garras de seus tutores e se aventurar em outros ofícios. Após sua tentativa no comércio do irmão ser infrutífera, visto que o outro Crimsworth era insuportável e aproveitador, William parte para Bruxelas, onde se torna professor de inglês em um internato. Lá ele é induzido a ser sentir atraído pela diretora da escola feminina, Mademoiselle Reuter, mas é pela sua jovem pupila, Frances Evans Henri que seu coração vai acelerar. Sem perceber que fora atingido pela flecha do cupido, como se levado pelas correntes suaves de um rio, William vai se apaixonando. Primeiro atraído pelo intelecto da jovem, por sua habilidade na escrita, por sua persistência até que Frances se tornasse sua aspiração.
Não temos um mocinho rico e aristocrata, mas um trabalhador cujo meio de sobrevivência era resultado exclusivamente da sua capacidade produtiva, o que já é uma diferença dos outros romances - que eu li- das Brontë e do arquétipo do herói romântico no geral. O debate nacionalista se faz fortemente presente e por vezes caracteriza-se como uma xenofobia mal-disfarçada a meu ver, assim como o embate entre catolicismo e protestantismo, este, porém, de forma mais discreta, e que deixa claro a origem religiosa da autora.
Charlotte conseguiu criar um romance acolhedor e real entre duas pessoas simples presas num mundo em comum. William se afasta completamente de Rochester, par romântico da protagonista de Jane Eyre, romance mais famoso da autora, sendo um homem que mesmo com seus defeitos é respeitoso, íntegro, honesto e apaixonado. Ele torna-se muito mais empático e obstinado após seu amor por Frances, além de receber dela um brilho que faz dele um personagem mais interessante, ela o torna especial. Assim como Jane, Frances é uma mulher inteligente, independente e progressista, mostrando a destreza da autora com suas personagens femininas, suas obras-primas. Charlotte sabe escrever mulheres atemporais e que poderiam facilmente terem sido educadas no século XXI . Amam, mas não se perdem. Patrícia Rocha em sua tese de doutorado em literatura comparada pela UFMG intitulada “A estética da dissonância nas obras de Charlotte Brontë” comenta sobre como Charlotte mexe com os papéis de gênero da era vitoriana, para mim, um dos pontos altos de seus livros.
A mente de William Crimsworth não é tão prazerosa de se fazer parte quanto a de Jane Eyre, principalmente pelo seu jeito inicial descritivo e julgador, assim como um certo pedantismo, que lhe davam uma vestimenta antipática ao leitor. Mas sua evolução é curiosa, típica de um romance de formação (assim como Jane Eyre, apesar de que Jane tem um amadurecimento bastante estável ao longo da narrativa) literatura usual à época, mostrando o crescimento pessoal do protagonista, principalmente no modo como ele passa a enxergar as mulheres, de seres estranhos e mistificados para uma realidade mais próxima e igualitária. Mesmo William sendo o narrador e personagem principal, é Frances a alma da história e a representação de uma subjetivação feminina autêntica e excepcional na era vitoriana, espelho da personalidade da autora.
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