spoiler visualizarStephane.Grizafis 06/04/2024
Perfeito pra desgraçar a cabeça em pouco tempo
?Eu não quero e não posso acreditar que o mal seja o estado normal dos seres humanos. Mas é só dessa minha crença que todos riem.?
Li essa obra(que a princípio achei que era uma novela, não um conto) sem saber nada a respeito, pois coloquei na tbr somente por causa do autor e do título, que me intrigou muito. Estava esperando que fosse uma história pessimista, dado o título e também os primeiros capítulos, onde o protagonista demonstra uma visão de absurda indiferença - para não dizer ?niilista? levianamente - sobre si e o mundo. Achei que seria uma história sobre um homem completamente desiludido, sem esperança, descrevendo as mazelas de sua existência sob uma perspectiva honesta. Com sorte, eu estava enganada. O livro trás sim, uma visão extremamente desesperançosa no começo, o que é justificável considerando o estado de ideação suicida do protagonista, mas não se atém somente a isso. Sobre o início, acredito que qualquer um que já morou no fundo do poço por considerável tempo, facilmente tenha se identificado com os pensamentos apresentados. É fácil se ver completamente alheio às coisas ao redor quando a apatia já contaminou até suas próprias vísceras, particularmente para aqueles que já passaram pela depressão. Ainda sim, o ?homem ridículo? ressente o fato de não ter ajudado a garotinha que lhe pediu auxílio. Para aqueles, talvez tão ridículos quanto ele - assim como eu - quantas vezes refreamos a ideação suicida em face de outros? O protagonista diz que a menina o salvou, pois o fez questionar sua mais íntima verdade: será que realmente não faz a menor diferença ? Ou será que ainda parte de si continua se importando? Esses são questionamentos que reviram o cérebro da maior parte daqueles que moram no fundo do poço, e em meio a grandes adoecimentos mentais, muitas vezes não é possível nem imaginar uma realidade que não seja maculada pelo vazio existencial.
Entretanto, Dostoiévski traz uma saída que foi surpreendente pra mim, a chance que o ?homem ridículo? tem de ser transportado em um sonho para uma realidade desconhecida até o momento, mas que nos mostra a ternura, bondade e a beleza do ser humano. Para além disso, o autor nos descreve eximiamente o estado resplandecente que alcançamos quando somos afetados por encontros assim. Digo isso pois não me identifico com a associação do ?novo planeta? com qualquer conceito religioso sobre Éden ou o Paraíso, que o autor claramente tentou evocar, visto que não sou uma pessoa religiosa, mas acredito que esses ambientes de calor humano e cumplicidade podem ser encontrados em nosso dia a dia, com nossos amigos, familiares e até desconhecidos, e com essas pessoas podemos aprender o real sentido da vida, observando como vivem com simplicidade, desprendidas do ego, concentrando energia em ver as partes agradáveis do mundo. Conhecimento com certeza não é o caminho para a felicidade, pois com ele vem muitos questionamentos, mas a sabedoria em se alegrar com o ?simples? pode ser a chave.
Porém, a partir do capítulo V, Dostoiévski narra como o ?homem ridículo? corrompeu aquele ambiente imaculado, o que pode ser interpretado como uma grande metáfora da sociedade, onde o protagonista é o grande impulsionador da voluptuosidade, egoísmo e crueldade, corrompendo todos a sua volta, que levam a sociedade, antes sacra, à ruína. Do mesmo modo, nós caminhamos a passos largos para o fim, como atualmente, devido a todo nosso sistema que tenta sobrepor ideais, tortura animais, desmata o meio ambiente, cria templos vazios para adorarem aos seus próprios desejos e etc. O autor descreve isso com palavras muito claras, abrindo um leque enorme de discussões que podem ser iniciadas. Não irei entrar em detalhes sobre nenhuma delas, pois minha intenção não é abrir nenhum debate, mas quero salientar a inteligentíssima forma com que o autor pontuou o cerne da miséria humana, que leva o protagonista - e a nós - ao estado deplorável que se encontra no início do livro.
Mesmo conhecendo a corrupção e crueldade, o protagonista deseja expor ao mundo sua nova perspectiva de vida, sua nova verdade, mesmo que muitos o achem louco ou ridículo, declara ?é só uma velha verdade que foi repetida e lida um bilhão de vezes, mas que não se assentou?: amar aos outros como a si mesmo. Mesmo que pareça batido e até mesmo um delírio idealista, acredito que Dostoiévski teve uma ótima intenção ao finalizar o livro dessa forma: fomentar em todo aquele que lê a esperança de que ainda existe bondade no mundo, e ela deve ser estimulada e valorizada.
Nem pretendia fazer resenha, pois é ?só um conto?, mas a verdade é que Dostoiévski mostrou a mim seu brilhantismo quando uma pequena história foi capaz de reverberar tão fortemente como poucos livros foram capazes.