Fabio 13/02/2024
"Quem governa os sonhos, não é a razão, mas o desejo, não a cabeça, mas o coração"
(Editada)
"O Sonho de Um Homem Ridículo" escrito em 1877, é uma das mais brilhantes obras do gênio da literatura mundial, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, e constitui como obra chave da fase tardia de um dos maiores romancistas e pensadores da história, no qual condensa todas as suas grandes obsessões utópicas num texto conciso, melancólico e impactante.
A novela "O Sonho de Um Homem Ridículo" é narrada em primeira pessoa, e sob a perspectiva de um personagem cheio de som e fúria, que de tão solitário, não possui nome e refere-se a si mesmo o tempo todo como " o homem ridículo". Vislumbramos, então, quando o indivíduo, que imerso na racionalidade moderna, aparta-se do mundo e de seus semelhantes, e que, ao se auto depreciar na condição de "ridículo", sofre com a melancolia e a indiferença, e intensificados pela aspereza do ambiente e a má convivência, decide por abandonar a propria existência.
O "Homem ridículo", vagando pelos labirintos frios e escuros de São Petersburgo, perdido em devaneios lúgubres, aceita seu desafortunado destino, quando, em trégua a torrente cessa, o céu se abre e revela uma estrela, como na ribalda de um palco em um espetáculo bruxuleante, o qual fascina o herói de um modo hediondo, e lhe introduz a convicção de que a única escapatória à inércia, está na morte. Durante o devaneio estelar, uma menina desamparada em seu extremo tormento, clama por socorro, mas na sua delirante obsessão, o "Homem ridículo", repele furiosamente a jovem, que em desabalada carreira, foge do semblante de cólera e loucura. Resoluto, o homem, evade-se, e mais tarde, naquela mesma noite, ao tentar consumar seus intentos doentios de tirar apropria vida, recorda-se da jovem e infeliz criatura, o qual expulsou, e depreende o quão cruel e desprezível foi ao ignora-la. Em breve lampejo, ao mentalizar a fatídica cena, de modo quase epifânico, compreende, que os traços de compaixão, discordam de suas convicções de aniquilamento (niinista) , então, o breve abalo, embute dúvidas em seu coração, que, o atormentam ainda mais, até que finalmente em torpor realiza uma viagem onírica sem precedentes, que transformará para sempre a sua existência, e lhe apresentará ao insofismável axioma de sua vida.
Em "O Sonho de Um Homem Ridículo", somos lançados ás implacáveis garras inebries da mente protagonizadora, e acompanhamos todos os delírios, sonhos e loucuras, impressas em cada linha da obra, que num ambiente sombrio repleto de melancólicas, nos fazem remeter a um tipo de purgatório, onde nos enxergamos na persona de Dostoiévski, que ao olhar para dentro, descobre a origem de suas angustias e arrependimentos, e naquele estado de inevitável apreensão e espera, aguardamos junto com os personagens a sentença final do Mestre da Vida.
Doistoiéviski, ao desnudar a mente do protagonista, nos apresenta, o íntimo do ser humano, seus tormentos e seus anseios mais profundos, até mesmo os mais ínfimos e irrisórios, que normalmente escapam dos olhares menos atentos, e nos prova ademais, o quão insalubre é uma vida sem motivações; aquela centelha de vida, que chamamos de força essencial, que sempre nos impulsiona a almejar o próximo passo, a nova página, e a lutar incansavelmente pela felicidade. Força interna essa, que, também nos faz enxergar, e a sentir a culpa e o arrependimento, que, normalmente são os entraves da vida, mas nos leva a compreender, que tais vicissitudes, são intrínsecas a todo homem, que foi maculado pelo pecado original, e que, o próprio ser, precisa encontrar meios para sobreviver a eterna dualidade que é inerente a cada indivíduo, e apaziguar a sempre-luta interna, entre o bem e o mal interior.
Trata-se de uma viagem onírica, onde a apatia, a culpa, a plenitude, o desespero e a esperança, estão lado a lado o tempo inteiro, lutando por supremacia, e o autor ao percorrer por toda a história da humanidade apenas num instante, onde o tempo se equivale ao "tempo de crise", desagua em aguas profundas quando, reverbera-nos, que os sentimentos sobrepõem a racionalidade em todas as instâncias, e que, tal premissa não aceita argumentos ou discursos lógicos, mas matem-se de forma resoluta do incio ao fim pelas vias da sensibilidade, e quando, de forma lacônica, evoca os mitos da criação e da escatologia, acaba entregando uma variante fantástica da queda.
"O Sonho de Um Homem Ridículo", é um manifesto crítico ao niinismo, ao ateismo e as vertentes radicais do socialismo, e mesmo que a imagem da "Idade de Ouro" relatada no texto tenha sido inspirada nos socialistas utópicos franceses, a base e estrutura primordial da obra, está no caminho da iluminação, da redenção e da fé, que são características das narrativas dos santos nas eras patrísticas, e que imprimem as ideias messiânicas do compositor, que enxergava no amor cristão pelo sofrimento, um caminho para alcançar a redenção.
Os signos que Dostoievski constrói dentro de suas obras, são claros, mas oferecem múltiplas traduções, e cabe ao leitor interpretar as nuances psico filosóficas próprias de cada fase da escrita do autor, e que devem estar sempre em consonância com o momento histórico/social e as fases da composição filosófica, entretanto no que se refere aos temas abordados pode-se, vez ou outra encontrar vestígios de contradições, mas não se enganem, trata-se da profusa característica incólume do estilo dostoievskiano, inclusive dos copiosos debates dicotômicos, que permeiam toda a prolífica obra, pois, Dostoiévski representava a mais perfeita antítese, o maior dualista da literatura, possivelmente da humanidade.
De escrita poderosa e indefectível, num mundo cinza de miséria e escuridão, "O Sonho de Um Homem Ridículo", nos leva a uma profunda reflexão sobre a nossa existência e os sentimentos que nos consomem; sobre ações e reações, sobretudo, o amor e o sofrimento, e nas breves páginas dessa novela, somos transportados para dentro da mente de um dos maiores pensadores da história, que de maneira quase biográfica, traduziu em palavras, os delirantes pensamentos utópicos de um sofredor, as beiras do irresistível precipício de sua existência
Aqueles que, mesmo percorrendo esse texto, um tanto quanto prolixo, permanecerem na dúvida, principalmente, quanto à importância de se ler e estudar a obra desse gênio da leitura, advirto. Dostoiévski influenciou a escrita de boa parte de seus pares coetâneos, inclusive vários dos "Monstros Sagrados" da literatura universal, e pesou de forma bem profunda na filosofia e na psicanalise contemporânea que, ajudaram a moldar o mundo que, hoje conhecemos, e que, de forma genuína, agiu sobre os maiores intelectos da humanidade e transformou a maneira que enxergamos a vida, a morte e tudo que há entre esse espaço temporal.