Mateus, Marcos, Lucas e João

Após registrar uma São Paulo nada idílica (Iconografia Paulistana/WMF Martins Fontes, 2012), apresentar a história do Brasil através de clichês tipográficos (Clichês Brasileiros/Ateliê, 2013), revestir com areia um livro sobre um casal em terapia para salvar a relação (Seu Azul/Lote42, 2013) e recontar a Odisseia pela ótica de um garoto idiota (Odisseia de Homero segundo João Vitor/Gaivota, 2014), Gustavo Piqueira faz da releitura contemporânea das iluminuras medievais o ponto de partida de seu novo livro Mateus, Marcos, Lucas e João (EDUSP).

Na obra, somos apresentados a quatro diferentes versões de uma mesma história, cada uma escrita por um dos personagens do título. Apesar dos nomes célebres, eles não são os evangelistas, mas consultores de beleza que revelam a trajetória daquele que veio nos salvar: um creme anticelulite. Cada época tem o messias que merece, afirma o autor.

Mas o texto não se resume a uma paródia de passagens do Novo Testamento: terminados os quarto relatos sobre o revolucionário produto, tem início uma narrativa ficcional que gira em torno dos quatro personagens para flutuando entre o satírico e o melancólico desenhar um retrato pouco edificante dos sonhos e ambições contemporâneas.

Assim como nas bíblias da Idade Média, o projeto gráfico do livro é opulento e complexo, transformando a parte gráfica num elemento narrativo tão importante quanto o texto. A capa em alumínio é adornada por bijuterias coladas manualmente, já o miolo é preenchido com uma nova versão das iluminuras medievais criada por Piqueira. Nela, não há cenas bíblicas, como era de costume, mas imagens de pessoas trabalhando, trânsito congestionado, fast food, armas e celulares, entre outras, que carregam o mesmo tipo de efeito hipnótico de suas fontes de inspiração. A caixa, na qual o livro é apresentado, não deixa dúvidas quanto à aproximação da obra com os chamados livros-objeto.